Em 2002, quando Henry Paulson presidia a Goldman Sachs, a casa bancária que ele chefiava em Wall Street criou o "lulômetro". Quanto maiores as chances de Lula nas eleições presidenciais daquele ano, maiores seriam a cotação do dólar e o risco Brasil. Na semana passada, o mesmo Paulson, já como secretário do Tesouro americano, mendigava o apoio do Congresso para que se aprovasse, em caráter de urgência, um pacote imoral de US$ 700 bilhões. Com dinheiro dos contribuintes, seriam salvos da bancarrota os tubarões do mercado financeiro. Enquanto isso, na assembléia-geral das Nações Unidas, Lula, com 77% de aprovação popular, condenava a "socialização de prejuízos" comandada pela Casa Branca. No mesmo dia, George W. Bush, que sairá pela porta dos fundos, como o mais impopular presidente da história dos Estados Unidos, falava pela última vez na ONU sobre sua guerra de US$ 2 trilhões contra o terrorismo.

Esses dados, aparentemente desconexos, estão interligados. A falência da América é resultado direto da arrogância e dos excessos não só de Wall Street, mas também da Casa Branca. Na era Bush, os americanos cavaram um rombo de US$ 850 bilhões nas transações comerciais e de outros US$ 450 bilhões nas contas públicas, confiando nas premissas de que o dólar continuaria sendo a única reserva de valor global e de que o resto do mundo sempre os financiaria. Países emergentes, como o Brasil, a Rússia e os tigres asiáticos, ainda sentiam os efeitos de suas crises no balanço de pagamentos. E a América mantinha a pose imperial. A tal ponto que o antecessor de Paulson no Tesouro, o trapalhão Paul O’Neill, chegou a condenar qualquer tipo de ajuda aos governos em crise. "Esses países precisam adotar políticas que assegurem que o dinheiro que recebem seja bem aproveitado, e não saia direto para uma conta na Suíça", disse O’Neill à época.

Hoje, esse discurso cairia como uma luva para os Estados Unidos, onde os banqueiros endinheirados, até agora, estão saindo ilesos. Uma situação que o próprio Henry Paulson chamou de "vergonhosa" no Congresso americano, mas que seria, segundo ele, a única alternativa para evitar uma quebradeira em série. O fato incontestável é que, na era Bush, a América faliu – o que não significa que o mesmo destino tenha ocorrido ao capitalismo. Ele apenas mudou de endereço. A beleza do sistema é que ele pune os arrogantes e premia o trabalho.


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