Apenas uma rua separa Dalvanice Ribeiro Martins e Irenilde Sampaio dos Santos em uma quadra do Riacho Fundo, cidade-satélite do Distrito Federal, distante 20 quilômetros do Palácio do Planalto, onde trabalha o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Porém, um abismo as distancia quando se trata da atenção que recebem do governo federal. Dalvanice é beneficiária do Bolsa Família há dois anos. Irenilde tenta há cinco anos o benefício e não o consegue. Elas são o retrato de um frio número divulgado pelo IBGE: há 2,2 milhões de famílias brasileiras, já cadastradas pelo Ministério do Desenvolvimento Social, que, pelas suas baixíssimas condições de renda, têm direito, mas não recebem a ajuda estatal.

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E spera Irenilde tenta há cinco anos receber o Bolsa Família

"Por que uns têm e outros não têm?", pergunta Irenilde. "Eu às vezes fico me perguntando se não tem alguém ficando com o meu dinheiro." Principal programa social do governo, é inegável o apelo político-eleitoral alcançado pelo Bolsa Família. Ele certamente é responsável por grande parte dos 80% de popularidade do presidente Lula. São 11 milhões de famílias beneficiadas.

O número de famílias sem bolsa, no entanto, revela as deficiências nos critérios de seleção e o erro de fazer daquilo que deveria ser direito uma concessão – muitas vezes regida por escolhas políticas porque os cadastros são de responsabilidade das prefeituras. Isso pode justificar a desconfiança de Irenilde. Em Irajuba, município a 299 quilômetros de Salvador, alguém recebeu sem ter direito: o vice-prefeito Mário Augusto Barbosa, os vereadores José Carlos Rocha, Gilmar Santana e sua esposa, Adriana Santana, foram flagrados ganhando o benefício desde 2005 e respondem à ação de improbidade administrativa movida pelo MP.

A falta de um critério claro de seleção parece ser a única explicação para entender por que Dalvanice tem o Bolsa Família e Irenilde não. Dalvanice tem 44 anos, três filhos e está sem poder trabalhar devido a uma bursite. Já Irenilde tem 30 anos. É faxineira, sem salário fixo e mora de favor. Diarista a R$ 35, ela sustenta praticamente sozinha os cinco filhos. Pela condição de extrema pobreza, deveria receber R$ 62, garantidos às famílias que têm renda per capita de até R$ 60.

Outro problema de gestão persiste. Sem estar associado a políticas que garantam uma evolução social, a ajuda incorpora-se ao orçamento da família, que depois não quer mais viver sem ela. Um exemplo é o Plano de Qualificação Setorial, que prevê cursos profissionalizantes para maiores de 18 anos. Empresas que fazem obras do PAC comprometeram-se a contratar os aprovados. Seria o caminho para trocar a ajuda estatal por emprego de verdade. Foram feitos 400 mil convites, mas apenas seis mil pessoas responderam. Os demais preferiram a esmola pública à possibilidade de ascensão social com o trabalho.

A secretária nacional de Renda da Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Lúcia Modesto, admite que os cadastros podem conter falhas na seleção dos beneficiados. "A melhor forma de isso deixar de acontecer é a informação, a pessoa saber que tem direito à bolsa e ir atrás dela", afirma. É o que Irenilde tenta há cinco anos. Ainda não conseguiu.

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felizarda Dalvanice, vizinha de Irenilde, tem o Bolsa Família