Sonho de todo garoto roqueiro, a rotina de fazer um show atrás do outro, dormir cada noite em um hotel diferente e ter mais horas de vôo que de sono não fascina mais os integrantes da banda mineira Skank. Do alto de uma carreira de 13 anos e 5,5 milhões de discos vendidos, o grupo que colocou Belo Horizonte novamente no mapa da música só pensa agora em depurar o seu som. E ficar cada vez menos longe de casa. O novo álbum da banda, Carrossel, que chega às lojas esta semana depois de emplacar nas FMs a balada Uma canção é para isso, terá shows de divulgação (fã não se contenta em só ter o disco e quer ver o artista), mas nada de turnês intermináveis. “Não precisamos mais bancar os políticos em campanha e ficar meses na estrada tentando conquistar público. Quem tem que gostar do nosso som já gosta”, diz o vocalista Samuel Rosa, 40 anos e pai de dois filhos. O que o grupo prefere mesmo é passar o maior tempo possível enfurnado no Estúdio Máquina, o Abbey Road dos mineiros, localizado no bairro de Santa Lúcia, na zona sul da capital mineira. A referência ao “templo” de gravações dos Beatles não é piada. O novo Skank persegue mais uma vez aquela sonoridade típica dos rapazes de Liverpool. “Beatles é referência para tudo”, diz Samuel.

Foram sete meses criando as letras e as sonoridades do novo álbum, o nono da carreira. Nesse período, Samuel, o baterista Haroldo Ferretti, o tecladista Henrique Portugal e o baixista Lelo Zaneti fizeram de Carrossel seu disco mais roqueiro. As experimentações eletrônicas, as misturas com ritmos regionais e o reggae assumido de hits como Jack Tequila, Garota nacional e Te ver são coisa do passado. Os primeiros sinais dessa tendência se deram em álbuns como Maquinarama (2000) e Cosmotron (2003). “Procuramos nos alinhar com o pop atual”, diz Samuel. “A música dos anos 60 e 70 está norteando o indie-rock americano e o rock inglês. A psicodelia está em voga novamente. E isso não é importar fórmulas. Os Mutantes, por exemplo, são psicodelismo puro.”

Uma década separa Carrossel de O samba poconé, o disco mais popular do Skank, com vendagem de 1,8 milhão. O novo CD chega ao mercado com 50 mil cópias e a expectativa é que alcance a marca das 200 mil. “Não somos nós que estamos em crise, mas as gravadoras”, diz. “Os velhos formatos estão em baixa, mas os novos ainda não se estabeleceram.” Contrariando a análise de Chico Buarque, que vê no rap um sintoma de esgotamento da canção, Samuel aposta no caminho oposto. “A música eletrônica passa por um desgaste e o hip-hop provocou um excesso do canto falado. O pop está revendo o modelo clássico da canção.”

Longe do Skank, porém, tomar emprestado a rebeldia do rock. Eles são roqueiros, mas continuam bem-comportados. As baladas sessentistas, por exemplo, aparecem aqui e ali em Carrossel, a exemplo de Mil acasos e O som da sua voz. Algumas faixas revelam a paixão beatlemaníaca dos mineiros, como Panorâmica, com introdução parecida à de Getting better, e Seus passos, com teclados que remetem à fase derradeira dos Fab Four. O humor foi trocado pelo lirismo agridoce. O vocalista, contudo, prefere dizer que são letras “existencialistas”. Para exemplificar, cita Antitelejornal, uma das melhores faixas, marcada por um baixo pulsante. Segundo ele, a letra foi escrita depois da visão do documentário Vinicius, de Miguel Faria Jr. “Há um depoimento do Ferreira Gullar dizendo que a felicidade é questão de escolha.” Coisa de quem leu Jean-Paul Sartre ouvindo Let it be.