Cansada do trânsito, dos impostos e das agruras de uma cidade frenética como São Paulo, uma ilustre senhora de 108 anos decidiu mudar-se para o interior. Foi de bicicleta – uma mountain bike, como convém ao clima de montanha de Atibaia, cidade paulista da qual ela sempre ouvia falar quando passava o vendedor de morangos. Hoje, a velhinha gasta 30% menos, a saúde melhorou e ela até pensa em exportar umas coisinhas para a Europa e roubar mercado dos chineses. Não é história da carochinha, mas, sim, da Caloi. A empresa centenária reinventou-se, lançou um novo modelo para transporte por R$ 299 e abriu a inédita discussão sobre uma política de competitividade para o setor de bicicletas.

A nova pedalada da Caloi começou oficialmente na semana passada, com a apresentação da fábrica de Atibaia a clientes, fornecedores, funcionários e amigos da empresa. É uma operação mais moderna e mais enxuta que a antiga unidade do bairro paulistano de Santo Amaro, fechada há dois meses. Para trocar de endereço, a Caloi investiu R$ 10 milhões, metade para encerrar a atividade fabril em São Paulo e metade para abrir a outra na cidade. Lá, contratou e treinou 80% da mão-de-obra necessária nessa primeira fase. Os 210 funcionários produzem uma nova bicicleta a cada dez segundos, num sistema de gestão sem estoque de matérias-primas. Entram canos de ferro, pneus e alguns componentes nacionais e, duas horas e meia depois, saem as “magrelas”. A capacidade instalada é de um milhão de bicicletas por ano, a custos mais baixos que na capital. Explica-se: a Caloi divide a infra-estrutura de um condomínio industrial com outras empresas e tem incentivo fiscal do município. “Nossos custos são 30% menores aqui do que em São Paulo”, estima o vice-presidente de Operações, Jayme Marques Filho. Os centros de distribuição de todos os grandes clientes, como a Casas Bahia e o Magazine Luíza, estão num raio de 50 a 100 quilômetros de distância.

Serão feitas na unidade apenas as bicicletas sem marcha. Os modelos com marcha, que têm a maioria dos componentes importados, continuarão a ser fabricados em Manaus, na segunda fábrica da Caloi. É de lá que vem a nova aposta comercial da empresa, a Terra, primeira bicicleta da marca que custa menos de R$ 300. A meta é vender pelo menos 250 mil por ano. “É o nosso novo carro-chefe”, diz o presidente Eduardo Musa. OK, a figura de linguagem que não condiz com o produto – a bicicleta tem só duas rodas, não consome combustível fóssil nem polui o ambiente. Mas o modelo, recém-lançado, tem tudo para agitar um mercado que estava carente de lançamentos criativos desde que a onda das mountain bikes invadiu o País.

As mountain bikes, feitas para trilhas e passeios no campo, acabaram dominando as cidades. O problema é que elas não são feitas para o principal uso de duas em cada três bicicletas no Brasil, o transporte. O guidão é baixo e o selim é desconfortável. Com guidão mais alto, banco macio, pezinho de série, 21 marchas e preço mais acessível, a Terra é a resposta da Caloi para conquistar o único segmento de mercado no qual apanha feio da concorrência com as pesadonas Barra Forte (masculina) e Poti (feminina).

Nos modelos de transporte, a empresa tem uma fatia de mercado de apenas 10%. No de esporte, a liderança chega a 80%, no infantil a 40% e, no lazer, a 35%. Maior fabricante nacional, com faturamento de R$ 160 milhões por ano e produção de 660 mil bicicletas em 2005, a Caloi aposta nas vendas da Terra para chegar a um milhão de unidades em 2010. Seus principais concorrentes são a Monark, a Sundown e a Houston, além das bicicletas montadas e dos fabricantes de fundo de quintal – estes últimos compram peças da China e montam produtos de baixa qualidade. “Você sabia que há cerca de 200 fábricas de bicicleta no Brasil?”, pergunta Musa. “Até eu fiquei espantado quando soube.”

Apesar do mercado estagnado há anos na casa dos 4,5 milhões de bicicletas anuais, o Brasil é o terceiro maior pólo mundial do setor, atrás da China e da Índia. Também é o quinto maior mercado consumidor. Se houvesse uma política de incentivos para a organização da cadeia produtiva, redução de impostos para baratear o preço final ao consumidor, construção de ciclovias em todo o País e políticas voltadas para a exportação, o Brasil poderia tornar-se uma potência nesse mercado, sustenta Musa. “O Brasil precisa de uma política industrial e de exportação de bicicletas para tornar-se uma opção à China”, diz o executivo. Para unir concorrentes e fornecedores e abrir negociações com as autoridades, ele fundou o Instituto Pedala Brasil. Uma das ações do instituto é treinar técnicos de trânsito nos municípios brasileiros para implantarem ciclovias. Sem elas, o consumo tende a ficar contido, pois nas maiores cidades é grande o perigo de o ciclista ser atropelado por carros, motos, ônibus e caminhões. “O governo federal tem R$ 60 milhões para a construção de ciclovias. Mas ninguém pega porque faltam projetos”, afirma. Se Musa continuar nesse pique, os chineses que se cuidem.