RIGOR O médico Varella observa planta em uma das mais de 50 viagens feitas à floresta

O estudo científico das plantas amazônicas acaba de receber uma injeção de ânimo. Uma parceria entre a Universidade Paulista, a Unip, e o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, colocará na mira de microscópios de alta precisão um tesouro biológico: 120 plantas com ação comprovada sobre tumores e bactérias resistentes aos medicamentos conhecidos. Elas foram garimpadas, uma a uma, ao longo de árduos 12 anos de trabalho, em uma busca que ainda não terminou. O novo laboratório montado pelo Sírio custará R$ 600 mil.


AVANÇOS Younes espera ter novas substâncias anticâncer em 2009

As plantas foram selecionadas em meia centena de expedições à região do Rio Negro, na Amazônia, coordenadas pelos médicos Drauzio Varella e Riad Younes, idealizadores de um projeto de investigação da biodiversidade amazônica. “Uma das metas deste trabalho foi estudar as plantas dentro de parâmetros científicos que permitam a outros cientistas repetir e confirmar as nossas conclusões”, diz Younes, diretor-clínico do Hospital Sírio-Libanês. “Essa é uma condição essencial para que as descobertas que fizermos tenham a credibilidade junto à comunidade científica mundial”, completa o pesquisador. O local foi escolhido por causa da facilidade de acesso em relação a outras áreas amazônicas, por apresentar menores riscos de malária aos exploradores e pela fantástica biodiversidade.

FOTOS: MATEUS PACIÊNCIA/UNIP

AÇÃO A exuberante pentede- macaco revelou-se potente contra tumores

Não tem sido um trabalho fácil. Dos 2,2 mil extratos feitos a partir de mais de 600 espécies obtidas pela equipe composta de médicos, estudantes, mateiros, canoeiros, biólogos e botânicos, cerca de 5% apresentaram ação medicinal. Além disso, os testes precisam ser repetidos em condições idênticas e com amostras das mesmas plantas. Por isso, o rigor começa já na coleta. “Imediatamente após a planta ser tirada da mata, um ramo é cortado e guardado na estufa do barco- escola para ser classificado”, diz o botânico Mateus Paciência, da Unip, desde o início responsável pelo recolhimento e catalogação das espécies – ele também está reunindo todas as fotos e informações sobre os exemplares colhidos em um livro a ser lançado no próximo ano. Em seguida, caules, flores, folhas e raízes são acondicionados em sacos de algodão para secagem e levados a Manaus, onde passam por uma moagem feita em um laboratório que a universidade mantém na capital amazonense.


ESTUDO A Croton palanostigma foi avaliada nos EUA

Na chegada a São Paulo, o pó é transformado em extratos vegetais e testado em amostras de células tumorais humanas, cedidas pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. “Avaliamos contra os tumores mais comuns no Brasil: pulmão, mama, colo retal, cérebro e próstata”, explica Younes. O teste revelou 72 amostras com ação promissora. Entre elas, a guaçatunga (Homalium racemosum) agiu bem em células do câncer de próstata. A pindaíba (Xylopia aromática V) teve efeito contra células tumorais de pulmão. “Mas as pessoas precisam saber que não adianta fazer chá das folhas ou macerações dessas plantas. Pode ser que o princípio ativo esteja no caule, nas flores, no fruto. Isso também varia conforme a época do ano, o tempo e o modo como seu extrato é armazenado”, alerta o médico. Outros 50 extratos tiveram êxito no confronto com bactérias que já se tornaram resistentes aos remédios conhecidos. Achar novas drogas para debelar esses microorganismos é uma preocupação mundial, uma vez que é cada vez maior o número de agentes que estão se tornando imunes aos efeitos dos antibióticos.

Na próxima etapa do projeto, marcada para janeiro, os extratos vegetais mais eficientes serão fracionados em moléculas para o estudo dos princípios ativos – as substâncias que causam reações nas células. Depois, as moléculas serão testadas em animais e, posteriormente, em seres humanos. O médico Younes acredita que o estudo começará a apresentar as substâncias com eficácia certificada em um ou dois anos. Em geral, a patente dos compostos mais inovadores é vendida a grandes indústrias farmacêuticas, que levam adiante o seu desenvolvimento. Se a substância virar remédio, os inventores da molécula passam a receber royalties. No projeto de Drauzio e Younes, os lucros serão revertidos para a sustentabilidade das comunidades amazônicas nas áreas em que as plantas foram recolhidas. Estima-se que o percurso da natureza até a prateleira da farmácia demore entre oito e dez anos.

O REMÉDIO AMERICANO
Cientistas dos Estados Unidos anunciaram, na semana passada, a criação de um produto natural derivado da árvore amazônica Croton palanostigma. Em estudo publicado no Journal of Inflammation, os pesquisadores do Case Western Reserve University’s School of Medicine, em Cleveland, classificam a substância como potente antioxidante e inibidor de processos que levam à quebra do colágeno, fibra presente nas cartilagens, e sua conseqüente degeneração. O Ministério do Meio Ambiente estuda com o Itamaraty os procedimentos para fiscalizar as pesquisas internacionais com plantas brasileiras.