ALEXANDRE SANT’ANNA

CENÁRIO O grupo Galocantô nasceu de freqüentadores da Lapa

Alguns lugares são lembrados pela paisagem natural, outros pela arquitetura ou por características econômicas. E há também os lugares lembrados por serem verdadeiras incubadoras musicais. É o caso de Camden, em Londres, ou do East Villlage, em Nova York. No Brasil, esse fenômeno está acontecendo no Rio de Janeiro. Mais precisamente na Lapa. Por causa da música, a região voltou a estar na moda. Depois dos tempos míticos da malandragem, na década de 50, quando os principais compositores, músicos e intelectuais do Rio de Janeiro freqüentavam seus bares, a Lapa entrou em decadência. O renascimento começou a acontecer lentamente e, agora, além de atrair o público, a Lapa tornou-se uma espécie de grife que avaliza artistas, gera empregos e abriga empreendimentos imobiliários. Tudo em função da música. “É um bairro identificado com o samba e o choro”, diz o historiador Micael Herschmann, autor da pesquisa Lapa, cidade da música, lançada em livro pela Mauad Editora.

No mundo, diversos redutos urbanos se tornaram populares por causa do som que se espalha em bares e casas noturnas. Freqüentados por multidões nos dias de calor, eles ganham espaço em guias de turismo. O bairro de Camden é reconhecido como o coração da música independente na capital inglesa. E o East Village conquistou fama com a irreverência das bandas que se apresentaram na lendária casa noturna CBGB, onde nasceu o punk rock americano. Com a Lapa, a história se repete. Para Herschmann, quando um artista revela que surgiu no bairro carioca, já se sabe qual o seu estilo. “É o mesmo fenômeno de New Orleans ou Manchester”, diz o pesquisador. Nas casas de espetáculo próximas aos famosos arcos do bairro, bons sambistas e grupos de choro brotam e se impõem ao mercado.

Uma das particularidades da Lapa é que ali o círculo virtuoso da música se cumpre integralmente. Primeiro, o artista iniciante se apresenta nos palcos do bairro para uma platéia que vai até lá justamente à procura de novidades. Aprovado no teste do público, o próximo passo é gravar um CD, que muitas vezes ganha espaço graças ao pedigree de cantor ou grupo “nascido na Lapa”. Para divulgar o álbum, os músicos fazem show ali mesmo – e o círculo se completa. O grupo Galocantô, que tem repertório de samba e choro, seguiu o ciclo. “Freqüentávamos as batucadas das quintas-feiras na rua Joaquim Silva e há oito anos resolvemos tocar juntos”, conta Rodrigo Carvalho, integrante do conjunto. “A história de sucesso do bairro mostra que se deve ficar atento aos pequenos e médios empreendimentos ligados à música brasileira. Isso pode ser importante para o desenvolvimento local de várias regiões do País”, acredita o historiador Herschmann.