Ex-governador diz que partidotem dívidas com a sociedade

Na chuvosa tarde da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no domingo dia 1º, o cerimonial do Palácio do Planalto convidou o ex-governador Jorge Viana a subir para o Salão Negro, reservado às autoridades. Ele agradeceu e avisou que ficaria ali no térreo, sob o chuvisco, mas com o povo. O gesto que pode parecer demagógico na verdade traduz um traço de humildade para quem parece estar no limiar de se tornar ministro – e dos fortes. Esse engenheiro florestal acreano de 47 anos deixou para trás o governo do Acre com uma popularidade de 83% e, agora, dez entre dez petistas apostam que ele será o novo coordenador político do segundo governo Lula. Além do papel ativo que teve na coordenação da campanha presidencial na região Norte, ele é amigo e um dos principais conselheiros pessoais do presidente. A ISTOÉ, logo após a posse de Lula, ele antecipou suas idéias sobre como o governo precisa se conduzir para obter sucesso. Ao PT, sobrou um duro recado. Acompanhe:

ISTOÉ – ISTOÉ ? O espaço do PT aumenta ou diminui no segundo mandato de Lula?
Jorge Viana – Jorge Viana ? O PT já tem o cargo de presidente e o partido precisa se reencontrar com seus princípios. Acho que nós do PT estamos com uma dívida muito grande junto à sociedade brasileira, que nos deu mais uma chance através da eleição do próprio presidente. Agora não podemos ser apenas bons executivos nos cargos, mas excepcionais executivos. Num segundo mandato, o PT deverá ter um desempenho bem acima da média para resgatar um pouco a confiança da sociedade. Nós estamos com essa dívida, e o segundo mandato é uma oportunidade de, se não pagarmos a dívida toda, pelo menos diminuirmos o prejuízo.
ISTOÉ – ISTOÉ ? Já há sugestões para que o partido ceda espaço no governo para outras agremiações.
Jorge Viana – Viana ? O presidente Lula foi uma espécie de engenheiro que surpreendeu o País, quando em pouquíssimo tempo conseguiu costurar e fazer uma engenharia política que o Brasil nunca viu. Uma aliança muito sólida. Isso foi o melhor que aconteceu depois da eleição, mas criou problemas para o presidente: consumiu o tempo que ele tinha para pensar a equipe do segundo mandato. Acho que não é necessário cortar nem ampliar o Ministério. O que tem de ter é bom senso. Nós do PT temos a obrigação de sermos os mais importantes colaboradores do presidente, para que essa composição seja real e verdadeira. O PT precisa mostrar aos outros partidos que sabe compartilhar poder. Um dos erros que o partido tem cometido em várias situações é que não faz esse compartilhamento.
ISTOÉ – ISTOÉ ? É possível evitar um novo mensalão?
Jorge Viana – Viana ? O caminho convencional que esse Brasil há décadas usava para lidar com os parlamentares era com políticas fisiológicas. Lamentavelmente, em algumas situações cometemos o erro de estabelecer relacionamentos políticos que nada acrescentavam ao que vinha acontecendo nos governos anteriores. Temos de mudar isso. O presidente Lula já começou a fazer um arranjo com os dirigentes partidários. Mas acho que isso é uma parte do trabalho. A outra parte, difícil de ser feita, é partir para um trabalho parlamentar por parlamentar.
ISTOÉ – ISTOÉ ? Um trabalho individual.
Jorge Viana – Viana ? Não basta ter só uma relação com os dirigentes partidários, por conta da fragilidade que os partidos expressam. Se nós queremos fidelidade, tem de ter um trabalho feito com os dirigentes dos partidos e com os parlamentares também. E acho que o presidente não dá conta. O próprio governo, os ministros têm de fazer mais política junto ao Congresso, têm de dar mais explicações. Nós vamos ter já um desafio daqui a 30 dias, que é a eleição das duas Casas, Câmara e Senado. Acho que a coalizão que está indo tão bem no que diz respeito à condução do presidente pode sofrer um revés, porque quem vai conduzir agora a definição de candidaturas das duas Casas são os dirigentes partidários e as lideranças do Congresso. A bola está com eles. Espero que não cometam o erro de manter duas candidaturas. Essa coalizão vai passar por um teste. Ou é uma candidatura única da base de sustentação do governo, ou vamos começar a danificar essa construção política do presidente Lula.
ISTOÉ – ISTOÉ ? Existe o risco de um novo Severino Cavalcanti?
Jorge Viana – Viana ? O risco de uma candidatura alternativa como a de Severino Cavalcanti é permanente. Qualquer descuido é fatal. A bancada do PT tem toda a legitimidade de oferecer um candidato a candidato. Mas o PT não tem nenhum direito de impor um candidato. Como também o atual presidente, o Aldo (Rebelo, do PCdoB de São Paulo), tem o direito de buscar sua reeleição. Acredito que nos próximos 15 dias, no máximo, esse arranjo de candidatura única tem de ser feito, sob pena de a gente começar a ter notícia de eventual candidatura alternativa a essa disputa dentro da base do próprio governo.
ISTOÉ – ISTOÉ ? O governo vai interferir?
Jorge Viana – Viana ? Eu acho que é absolutamente natural o presidente se posicionar e setores do governo se posicionarem. Estamos falando de uma base partidária que é a essência da política de coalizão que o presidente está pregando. Não vejo nenhum problema. O complicado é o pouco tempo.
ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. parece muito preocupado com isso.
Jorge Viana – Viana ? Os parlamentares estarão entrando de férias, alguns vão fazer viagens, é normal em janeiro. É importante que nos próximos 15 dias os líderes da coalizão resolvam esta questão. Em vez de duas candidaturas, precisamos de apenas uma.