A morte trágica do empresário alemão Christian Martin Wölffer, atropelado por um barco no litoral de Paraty (RJ) no último dia de 2008, foi o primeiro sinal de alerta para o verão que se inicia. A falta de fiscalização e punição acaba por estimular as imprudências que matam ou mutilam, ano após ano, banhistas, turistas ou mesmo pessoas que trabalham nas praias brasileiras. Wölffer, que morava nos Estados Unidos, deixou seu vinhedo no condado de Hamptons, Estado de Nova York, para morrer no Brasil, vitimado pelo descaso: enquanto nadava em uma enseada, foi atingido por um barco de pequeno porte que, pela lei, não poderia estar navegando no local, a menos de 200 metros da faixa de areia. O corpo flutuou por quase 100 metros, até a embarcação onde estavam a modelo e atriz Fernanda Lima e seu marido, o ator Rodrigo Hilbert. Apavorado, o casal se lançou ao mar – ela, num caiaque, e ele a nado – para tentar salvar o alemão, mas já era tarde demais. O acidente fora fatal.

 

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Até o fechamento desta edição, o causador da tragédia ainda não tinha sido localizado. Segundo o delegado Alessandro Petralanda, da Polícia Civil carioca, o responsável responderá por homicídio culposo cuja pena é de apenas três anos de prisão. Isso se chegar a ser preso, porque a impunidade impera em acidentes marítimos. Com fiscalização inversamente proporcional ao número de embarcações (leia quadro) – cuja produção aumentou 10% no ano passado em relação ao anterior em todo o País –, a costa brasileira é um mar sem lei. É preciso replicar nas águas o rigor existente nas normas de trânsito em terra, pois condutores alcoolizados, sem preparo adequado para guiar barcos, embarcações velhas e equipamentos obsoletos são fatores que ameaçam vidas e até o setor turístico. Os números são alarmantes: estudo elaborado pela Marinha revela que, de 2001 a 2005, 85% dos acidentes ocorreram em situações em que havia violação às normas de segurança da navegação.

O regulamento que estabelece limites para o uso dos barcos na costa também delimita a velocidade dentro da área de banhistas e obriga o condutor de um barco, ao atracar em orla, a navegar em sentido perpendicular ao da areia e em uma velocidade lenta o suficiente para que as pessoas tenham tempo de se desviar. Wölffer, que morreu em Paraty, não teve este tempo. E, como ele, vários outros. A professora carioca Andréa Lisboa Salgado perdeu as duas pernas ao ser atropelada por uma lancha em outubro de 2003, enquanto passeava em um banana boat, bem perto da faixa de areia da praia de Itacuruçá, litoral do Rio. A mesma lancha que a mutilou matou o adolescente Gabriel Borges Soares. Apesar das graves proporções do acidente, passados mais de cinco anos, os culpados continuam impunes. A professora define sua situação com uma só expressão desoladora: “100% impunidade”. “Na parte criminal, eles foram condenados a três anos de serviços comunitários, mas não cumpriram”, diz, referindo-se ao cabo da Marinha Marcos Manoel Corrêa Cavalcante e ao condutor da lancha, Armelindo Corrêa de Miranda. Também se livrou o oficial acusado de ter organizado o passeio de barco que acabou causando o desastre, Eduardo Swiech. “Na área cível, processei a União e a Marinha pela falta de fiscalização e pela participação. Até hoje não houve nenhuma sentença”, diz Andréa, que nem sequer recebeu a mísera indenização de R$ 5 mil, aprovada em primeira instância.

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Ela só conseguiu voltar a Itacuruçá quatro anos depois do acidente, e constatou: “Está tudo a mesma coisa, a fiscalização ainda é deficiente.” O chefe da Capitania dos Portos do Rio, capitão-de-mar-e-guerra Wilson Lima Filho, afirma que há melhoras, sim. “Em 2001, tivemos 23 acidentes. Em 2008, tivemos apenas 12”, diz. Mas admite que o órgão, em 2008, só teve condições de inspecionar cerca de dez mil unidades das 94.221 embarcações inscritas oficialmente. O que acontece no Rio é um retrato do que se repete Brasil afora. Infelizmente, muito pouco para evitar uma nova tragédia na estação mais festiva do ano.


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