O arquiteto critica a elite nacional, diz que nunca teve Oscar Niemeyer como referência e conta por que é seletivo nos projetos

O paulistano Isay Weinfeld, 56 anos, é o arquiteto mais badalado do momento no País. Eclético, levam a assinatura dele os sofisticados hotéis Fasano do Rio de Janeiro e São Paulo, restaurantes do grupo, duas filiais da Livraria da Vila e a loja da Forum nos Jardins, todas na capital paulista, entre outros projetos. Mas, ao mesmo tempo que é assediado pela elite (ele projetou a casa do empresário Fernando Altério e do cineasta Hector Babenco), faz a linha low profile. Dá de ombros para as concorridas licitações internacionais para grandes obras e prefere investir em suas caixas de ângulos retos, que se abrem de fora a fora para revelar um amplo jardim – preceito que aparece nos trabalhos de Le Corbusier e no modernismo.

Enquanto toca cerca de 30 projetos, no Brasil e lá fora, lança o livro Isay Weinfeld (Bei Editora), que reúne 15 projetos residenciais realizados nos últimos dez anos. Filho de um imigrante polonês, separado e pai de uma filha, mora sozinho em um apartamento em São Paulo. Isay é um apaixonado por cinema – ele já dirigiu 14 curtas e o longa Fogo e paixão, de 1988 – e música (é fã do Radiohead). Sempre que pode, viaja para algum canto do planeta para assistir aos shows da banda, que se apresenta em março no País com a presença garantida dele, é claro.

ISTOÉ – O sr. faz casas, edifícios, lojas, hotéis, boates. Seu novo livro privilegia as residências por algum motivo especial?
Isay Weinfeld – Foi a maneira que encontrei de mostrar bem os projetos. Temos as plantas e várias fotos. São só 15 casas, realizadas nos últimos dez anos. Não que eu tenha muito mais; devo ter mais outras dez casas, mas quis mostrar direito, e eventualmente ter outro volume para trabalhos comerciais

ISTOÉ – O sr. é conhecido como um arquiteto que escolhe com quem trabalhar. O que o pauta na hora de pegar ou não um projeto?
Weinfeld – Em primeiro lugar, tenho interesse em fazer o que me dá prazer. De preferência, algo que eu não tenha feito antes, é isso que me move, por causa da minha exagerada curiosidade. Prefiro pegar um projeto completamente novo a um parecido com o que acabei de fazer.

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"No Hotel Fasano, conseguimos mostrar que é possível ser luxuoso sem ostentar. Não precisa ter dourado e rococó"

ISTOÉ – Por exemplo?
Weinfeld – Depois da Disco (boate em São Paulo), vieram outras propostas de projetos de casas noturnas. Recusei porque não quis fazer, para não me repetir. É como se, naquele momento, eu tivesse dito tudo sobre o tema discoteca pelo viés da arquitetura. Então vamos deixar passar um tempo para, quem sabe, eu ter vontade de falar sobre o tema de novo.


ISTOÉ – Identificar-se com o cliente é fundamental?

Weinfeld – Depois do Fasano, tive várias propostas para fazer restaurante. Não é frescura, eu sou antitudo isso. Mas, por exemplo, se não gosto da comida, não consigo fazer o lugar. Não é porque sou metido ou arrogante, é que não vou saber fazer. Se não gosto da comida, isso quer dizer, de cara, que não tenho muito a ver com aquele proprietário. Com um cliente que tem um gosto compatível com o meu, como o (restauranteur) Rogério Fasano, não preciso me preocupar. Ou seja, se eu não escolher o copo da (lanchonete) Forneria, ele vai escolher o copo certo. Penso o projeto do início ao fim: o ambiente, a decoração, os objetos. Como sou macaco velho, não pego projeto por pegar. É preciso agradar ao cliente e a mim.

ISTOÉ – O que sente quando um projeto seu é alterado pelo cliente depois de entregue?
Weinfeld – Você tocou em um pontochave do meu trabalho. Inclusive acho que difere um pouco do pensamento geral dos outros profissionais dessa área. Primeiro, se a minha obra não permanecer, não faz a mínima diferença para mim. Se ela for modificada, não significa nada. Se ela for destruída, menos ainda. Não tenho preocupação com esse tipo de coisa. Segundo, acho um absurdo quando ouço arquitetos falarem que o cliente estragou sua obra. Isso é inconcebível de ouvir. Primeiro, porque se escolho os trabalhos que pego, o cliente jamais estragará. É óbvio, o gosto dele bate com o meu. Por isso, nunca comprei uma briga com um cliente. O arquiteto acha que tem que fazer o que quer, do jeito dele. Tenho de fazer o que meu cliente quer do meu jeito, sob o meu olhar.

ISTOÉ – O sr. critica o luxo que ostenta. É difícil trabalhar no Brasil?
Weinfeld – Não sei falar se é difícil, mas aqui não é muito diferente do Exterior. Meus clientes não valorizam a ostentação. Por isso, não tenho problema com isso. Mas entendo o que você está falando. Por outro lado, acho que essa é uma das minhas funções. Acho que no Hotel Fasano conseguimos mostrar que é possível ser luxuoso sem ostentar. Para mim, foi muito importante mostrar para uma turma que frequenta o luxo que não é preciso ter dourado e rococó e tudo o mais para ser requintado. Pode ser mais elegante e simples.

ISTOÉ – O que pensa do gosto da elite nacional em geral?
Weinfeld – É só observar a arquitetura de São Paulo para perceber que as pessoas precisam de certos símbolos para se sentir ricas, poderosas. Elas precisam morar no edifício Champs- Elysées, precisa ter port cocher. O edifício não pode chamar Panorama, tem que chamar Champs-Elysées. Não pode ter uma entrada de automóvel, tem que ter uma port cocher. Boa parte da elite precisa desses símbolos para sentir que é alguém na vida. É uma característica fortíssima das pessoas que têm dinheiro no Brasil.

ISTOÉ – O que mais o incomoda?
Weinfeld – O que me incomoda muito é a postura e os valores dos ricos brasileiros em geral, até me envergonham. Quando vejo – e vejo sempre – pessoas em carros de luxo jogando maço de cigarro pela janela. Se você quiser me ver doente é me colocar em frente a uma coisa dessas. Parece que o que está fora daquele automóvel não importa. É que ele considera que não é dele. Quando vejo alguém em um restaurante de luxo sem falar "por favor", nem "muito obrigado", sem pedir licença. Quando estou no meio dessas pessoas, fico muito envergonhado com o baixo nível de educação e dos valores delas.

ISTOÉ – Qual a cidade mais bonita e a mais cafona no mundo?
Weinfeld – A mais cafona… não sei dizer… A mais bonita é Paris. Mas a que eu mais gosto é Londres, acho incrível a mistura de centro urbano com cidade do interior. Já Veneza é a cidade mais interessante porque é a mais rica espacialmente. Ela surpreende a cada virada de esquina. Você pode dar de cara com a gigantesca Piazza San Marco ou com uma charmosa ruela. Veneza é a mais rica emocionalmente. Ela é exatamente o oposto de Brasília, que não tem esquina.

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"Veneza surpreende a cada esquina, é a cidade mais rica emocionalmente. É o oposto de Brasília"

ISTOÉ – O que acha do trabalho de Oscar Niemeyer?
Weinfeld – O Niemeyer nunca foi uma referência para mim como arquiteto. Mas o considero maravilhoso, sem dúvida. Ele é um artista único, um grande escultor de formas. Acho que ninguém mais vai chegar lá, não há um segmento, não há uma escola.


ISTOÉ – O que gosta do que está sendo feito na arquitetura atual?
Weinfeld – Apesar de não ser uma referência para o meu trabalho, gosto (dos projetos do arquiteto japonês Yoshio) Taniguchi. Ele faz uma arquitetura muito mais silenciosa do que essa que está sendo feita hoje no mundo, que é uma arquitetura que fala alto, grita, berra. Há muitos arquitetos que têm o ego maior que a função do edifício que projetam. As obras mais simples são muito mais fortes na minha opinião.

ISTOÉ – Quais são suas principais fontes de inspiração?
Weinfeld – Muito mais que qualquer obra arquitetônica, é o cinema e a música. Depois que o projeto da Disco ficou pronto, estava ouvindo uma música do Radiohead quando enxerguei uma semelhança entre meu projeto e aquela sonoridade. A Disco era uma discoteca toda negra, mas tinha alguns elementos multicoloridos. Na entrada, tinha um corredor com pastilhas de vidro. Lá dentro, havia um painel de fios dos irmãos Campana e, no banheiro, umas cubas multicoloridas. A música Motion Picture Soundtrack, do Radiohead, era isso, ela começa inteirinha negra e depois se abre para uma explosão de cores. Como sou muito ligado na música deles, vi essa semelhança. São coisas assim que me inspiram.

ISTOÉ – Às vezes o sr. parece ter uma preferência maior pela música ou pelo cinema. Há alguma frustração em não ter seguido outra carreira?
Weinfeld – Não se trata de frustração, mas de desejo. Não me considero realmente um arquiteto. A arquitetura é apenas uma maneira de eu me expressar. Mas, se você não levar isso como uma frase arrogante, tenho certeza de que se eu tivesse continuado com a minha carreira no cinema você estaria aqui da mesma forma. Não estou falando de sucesso, apenas querendo dizer que estaria no mesmo patamar da arquitetura hoje. Eu escolhi um jeito. Além disso, gosto de exercitar esses meus outros lados, como fazer um curta-metragem ou um cenário de peça. Isso me dá muito prazer.

ISTOÉ – O projeto da casa onde o sr. mora é seu?
Weinfeld – Não, moro em um apartamento.

ISTOÉ – Já projetou alguma casa para o sr. ou para sua família?
Weinfeld – Não.

ISTOÉ – Nunca teve vontade?
Weinfeld – Não, nunca tive a mínima vontade.

ISTOÉ – Por quê?
Weinfeld – Nunca tive a mínima vontade de morar em um lugar que eu tenha projetado. Esse tipo de coisa eu não tenho.

 

 

ISTOÉ – O sr. faz casas, edifícios, lojas, hotéis, boates. Seu novo livro privilegia as residências por algum motivo especial?
Weinfeld

Foi a maneira que encontrei de mostrar bem os projetos. Temos as plantas e várias fotos. São só 15 casas, realizadas nos últimos dez anos. Não que eu tenha muito mais; devo ter mais outras dez casas, mas quis mostrar direito, e eventualmente ter outro volume para trabalhos comerciais.

ISTOÉ – O sr. é conhecido como um arquiteto que escolhe com quem trabalhar. O que o pauta na hora de pegar ou não um projeto?
Weinfeld


Em primeiro lugar, tenho interesse em fazer o que me dá prazer. De preferência, algo que eu não tenha feito antes, é isso que me move, por causa da minha exagerada curiosidade. Prefiro pegar um projeto completamente novo a um parecido com o que acabei de fazer.

ISTOÉ – Por exemplo?
Weinfeld

Depois da Disco (boate em São Paulo), vieram outras propostas de projetos de casas noturnas. Recusei porque não quis fazer, para não me repetir. É como se, naquele momento, eu tivesse dito tudo sobre o tema discoteca pelo viés da arquitetura. Então vamos deixar passar um tempo para, quem sabe, eu ter vontade de falar sobre o tema de novo.

ISTOÉ – Identificar-se com o cliente é fundamental?
Weinfeld

Depois do Fasano, tive várias propostas para fazer restaurante. Não é frescura, eu sou antitudo isso. Mas, por exemplo, se não gosto da comida, não consigo fazer o lugar. Não é porque sou metido ou arrogante, é que não vou saber fazer. Se não gosto da comida, isso quer dizer, de cara, que não tenho muito a ver com aquele proprietário. Com um cliente que tem um gosto compatível com o meu, como o (restauranteur) Rogério Fasano, não preciso me preocupar. Ou seja, se eu não escolher o copo da (lanchonete) Forneria, ele vai escolher o copo certo. Penso o projeto do início ao fim: o ambiente, a decoração, os objetos. Como sou macaco velho, não pego projeto por pegar. É preciso agradar ao cliente e a mim.

ISTOÉ – O que sente quando um projeto seu é alterado pelo cliente depois de entregue?
Weinfeld

Você tocou em um pontochave do meu trabalho. Inclusive acho que difere um pouco do pensamento geral dos outros profissionais dessa área. Primeiro, se a minha obra não permanecer, não faz a mínima diferença para mim. Se ela for modificada, não significa nada. Se ela for destruída, menos ainda. Não tenho preocupação com esse tipo de coisa. Segundo, acho um absurdo quando ouço arquitetos falarem que o cliente estragou sua obra. Isso é inconcebível de ouvir. Primeiro, porque se escolho os trabalhos que pego, o cliente jamais estragará. É óbvio, o gosto dele bate com o meu. Por isso, nunca comprei uma briga com um cliente. O arquiteto acha que tem que fazer o que quer, do jeito dele. Tenho de fazer o que meu cliente quer do meu jeito, sob o meu olhar.

ISTOÉ – O sr. critica o luxo que ostenta. É difícil trabalhar no Brasil?
Weinfeld

Não sei falar se é difícil, mas aqui não é muito diferente do Exterior. Meus clientes não valorizam a ostentação. Por isso, não tenho problema com isso. Mas entendo o que você está falando. Por outro lado, acho que essa é uma das minhas funções. Acho que no Hotel Fasano conseguimos mostrar que é possível ser luxuoso sem ostentar. Para mim, foi muito importante mostrar para uma turma que frequenta o luxo que não é preciso ter dourado e rococó e tudo o mais para ser requintado. Pode ser mais elegante e simples.

ISTOÉ – O que pensa do gosto da elite nacional em geral?
Weinfeld

É só observar a arquitetura de São Paulo para perceber que as pessoas precisam de certos símbolos para se sentir ricas, poderosas. Elas precisam morar no edifício Champs- Elysées, precisa ter port cocher. O edifício não pode chamar Panorama, tem que chamar Champs-Elysées. Não pode ter uma entrada de automóvel, tem que ter uma port cocher. Boa parte da elite precisa desses símbolos para sentir que é alguém na vida. É uma característica fortíssima das pessoas que têm dinheiro no Brasil.

ISTOÉ – O que mais o incomoda?
Weinfeld

O que me incomoda muito é a postura e os valores dos ricos brasileiros em geral, até me envergonham. Quando vejo – e vejo sempre – pessoas em carros de luxo jogando maço de cigarro pela janela. Se você quiser me ver doente é me colocar em frente a uma coisa dessas. Parece que o que está fora daquele automóvel não importa. É que ele considera que não é dele. Quando vejo alguém em um restaurante de luxo sem falar "por favor", nem "muito obrigado", sem pedir licença. Quando estou no meio dessas pessoas, fico muito envergonhado com o baixo nível de educação e dos valores delas.

ISTOÉ – Qual a cidade mais bonita e a mais cafona no mundo?
Weinfeld

A mais cafona… não sei dizer… A mais bonita é Paris. Mas a que eu mais gosto é Londres, acho incrível a mistura de centro urbano com cidade do interior. Já Veneza é a cidade mais interessante porque é a mais rica espacialmente. Ela surpreende a cada virada de esquina. Você pode dar de cara com a gigantesca Piazza San Marco ou com uma charmosa ruela. Veneza é a mais rica emocionalmente. Ela é exatamente o oposto de Brasília, que não tem esquina.

ISTOÉ – O que acha do trabalho de Oscar Niemeyer?
Weinfeld

O Niemeyer nunca foi uma referência para mim como arquiteto. Mas o considero maravilhoso, sem dúvida. Ele é um artista único, um grande escultor de formas. Acho que ninguém mais vai chegar lá, não há um segmento, não há uma escola.

ISTOÉ – O que gosta do que está sendo feito na arquitetura atual?
Weinfeld

Apesar de não ser uma referência para o meu trabalho, gosto (dos projetos do arquiteto japonês Yoshio) Taniguchi. Ele faz uma arquitetura muito mais silenciosa do que essa que está sendo feita hoje no mundo, que é uma arquitetura que fala alto, grita, berra. Há muitos arquitetos que têm o ego maior que a função do edifício que projetam. As obras mais simples são muito mais fortes na minha opinião.

ISTOÉ – Quais são suas principais fontes de inspiração?
Weinfeld

Muito mais que qualquer obra arquitetônica, é o cinema e a música. Depois que o projeto da Disco ficou pronto, estava ouvindo uma música do Radiohead quando enxerguei uma semelhança entre meu projeto e aquela sonoridade. A Disco era uma discoteca toda negra, mas tinha alguns elementos multicoloridos. Na entrada, tinha um corredor com pastilhas de vidro. Lá dentro, havia um painel de fios dos irmãos Campana e, no banheiro, umas cubas multicoloridas. A música Motion Picture Soundtrack, do Radiohead, era isso, ela começa inteirinha negra e depois se abre para uma explosão de cores. Como sou muito ligado na música deles, vi essa semelhança. São coisas assim que me inspiram.

ISTOÉ – Às vezes o sr. parece ter uma preferência maior pela música ou pelo cinema. Há alguma frustração em não ter seguido outra carreira?
Weinfeld

Não se trata de frustração, mas de desejo. Não me considero realmente um arquiteto. A arquitetura é apenas uma maneira de eu me expressar. Mas, se você não levar isso como uma frase arrogante, tenho certeza de que se eu tivesse continuado com a minha carreira no cinema você estaria aqui da mesma forma. Não estou falando de sucesso, apenas querendo dizer que estaria no mesmo patamar da arquitetura hoje. Eu escolhi um jeito. Além disso, gosto de exercitar esses meus outros lados, como fazer um curta-metragem ou um cenário de peça. Isso me dá muito prazer.

ISTOÉ – O projeto da casa onde o sr. mora é seu?
Weinfeld

Não, moro em um apartamento.

ISTOÉ – Já projetou alguma casa para o sr. ou para sua família?
Weinfeld

Não.

ISTOÉ – Por quê?
Weinfeld

Nunca tive a mínima vontade de morar em um lugar que eu tenha projetado. Esse tipo de coisa eu não tenho.


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