Rato, apelido de Emerson Fittipaldi, bicampeão brasileiro de Fórmula 1, tem mais de sete vidas. Escapou de dois acidentes graves. Virou homem de negócios depois de, sem sucesso, montar sua própria escuderia, a Copersucar. Casou-se três vezes, tem cinco filhos, três netos. Sua atual mulher, Rossana, tem 28 anos. Mas o grande renascimento de Emerson foi há seis anos, quando virou evangélico, da Igreja Batista. Hoje, aos 58 anos, é leitor da Bíblia e cristão ferrenho. Rato garante que a fé operou milagres no seu modo de encarar a vida. Encerrou sua carreira após o acidente de 1996 na Fórmula Indy, em Michigan, mas vai voltar num Grand Prix na África do Sul ao lado de veteranos como Alain Prost e Nelson Piquet.

ISTOÉ – É verdade que sua carreira de motociclista acabou em 1963, por causa das vassouradas de sua mãe?
Emerson Fittipaldi
– É verdade! Minha mãe não queria que eu corresse porque meu pai tinha sofrido um acidente grave de moto. Num domingo, eu inventei que ia velejar na represa do Riacho Grande, em São Bernardo (Grande São Paulo), mas fui participar de uma corrida em Interlagos. Eu me disfarcei, vesti macacão, capacete e me escondi atrás do boxe. Sabia que meus pais estariam na arquibancada. Participei da corrida e voltei para casa. Disse que tinha ido velejar. Não adiantou. Ela pegou a vassoura e correu atrás de mim. Foi aí que acabou minha carreira.

ISTOÉ – Você sempre gostou de esportes de velocidade?
Fittipaldi
– Eu era criança quando meu pai me levou para uma corrida em Interlagos. Bati o olho na pista e já sabia que era isso que eu queria fazer. Aos 14 anos, já gostava de mecânica.

ISTOÉ – E nas ruas da cidade? Vocês também apostavam corrida?
Fittipaldi
– Meu irmão Wilsinho tinha um Renault na época. Eu e vários amigos roubávamos os carros de nossos pais e saíamos para tirar racha na rua Itápolis, no Pacaembu, à noite.

ISTOÉ – E seus negócios? Quais são seus projetos atuais?
Fittipaldi
– Eu estive na África há pouco tempo, onde vamos fazer o Grand Prix Master. Estão construindo 20 carros parecidos com os da Fórmula 1. O piloto tem que ter pelo menos duas temporadas inteiras em circuitos de F-1 para participar. No mínimo 40 anos e no máximo 65. Alguns pilotos da minha geração já toparam, como Nigel Mansell, Alain Prost, Nelson Piquet, René Arnoux, Alan Jones.

ISTOÉ – É diferente a relação entre os pilotos de sua geração e os de hoje?
Fittipaldi
– Hoje, no ambiente de corridas não dá tempo de fazer amigos. É tudo muito burocrático. O que faz falta é a relação com os mecânicos. Os pilotos ficam muito isolados. Na minha época, todo mundo vivia sob constante pressão, saía de casa sem saber se ia voltar. Por outro lado, havia mais solidariedade. Eu estreei na Fórmula 1 em julho e em setembro perdi um companheiro de equipe (o alemão Jochen Rindt). E foi tão louco! A gente tomou o café da manhã juntos, fomos para a pista e meia hora depois ele morreu. Em dez anos na Fórmula 1 morreu muita gente. De 30 anos para cá, a segurança evoluiu bastante. Melhoraram os autódromos, os equipamentos, a assistência médica e os carros. Naquela época, o Grande Prêmio da África do Sul era a primeira corrida do ano e a gente fazia uma foto com os 22 pilotos, sabendo que uns três já não estariam conosco até o final do ano.

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ISTOÉ – Como você analisa o automobilismo no Brasil, hoje?
Fittipaldi
– Nunca estivemos tão bem-representados no mundo. Tem piloto brasileiro correndo na Itália, na França, no Canadá, no México. Se um garoto chega no Japão e diz que veio de um campeonato brasileiro de kart, os caras respeitam. É como os jogadores de futebol. Já na Fórmula 1, não temos ninguém excepcional. O Rubinho está muito bem na Ferrari. O Schumacher é sempre um problema como companheiro de equipe. Mas este vai ser o melhor ano dele.

ISTOÉ – Não falta um ídolo nacional, como foi o Senna?
Fittipaldi
– Desde o Ayrton, abriu-se um gap nacional. Está faltando alguém assim, como o Nelson Piquet, o Ayrton. Se o filho do Nelson acertar, o Nelsinho, e chegar na Fórmula 1 forte, vai criar de novo isso. Hoje, como ser campeão de F-1 não depende só do piloto, tem que ter uma equipe boa. Se a Ferrari der uma virada, pode ser o Rubinho. Se ele ganhar o mundial, as pessoas vão voltar a acordar mais cedo para ver a corrida.

ISTOÉ – Você acredita em Deus?
Fittipaldi
– Acredito muito em Deus. Sou cristão, batista, evangélico. Sou crente, com muita fé. Isso mudou minha vida nos últimos seis anos. A palavra crente assusta, parece uma coisa radical, mas crente é quem crê. Tomo vinho e uma cerveja de vez em quando. Sou um crente moderno dos bons!

ISTOÉ – Quando você competia, já tinha essa fé?
Fittipaldi
– Acho que quem não acredita em Deus, nem em Jesus, tem uma vida vazia. Mas a gente precisa ser chamado por Deus para acordar. Quando sofri o acidente em 1996 na Indy, em Michigan (pouco antes de encerrar sua carreira seu carro bateu no muro e Emerson quase ficou tetraplégico), eu estava no hospital arrebentado e apareceu o Alex Dias Ribeiro (corredor de Fórmula 1), com a Bíblia, no meu quarto. Claro que sempre acreditei em Deus, mas foi ele que me fez renascer na minha fé em Jesus.

ISTOÉ – E depois disso, você começou a freqüentar a igreja?
Fittipaldi
– Sim, a Igreja Batista em Miami e no Brasil. A vida ganha mais sentido com Deus e é minha obrigação passar isso para as pessoas que me cercam. E a Rossana, minha mulher, também é crente.

ISTOÉ – Onde você conheceu a Rossana?
Fittipaldi
– Na Fórmula (academia em São Paulo). Ela é mais fanática por exercícios do que eu. Sou apaixonado por esportes de movimento: tênis, vela, windsurf, snowboard… E ela também é superatleta. É boa em qualquer esporte. Acho que um casal deve gostar das mesmas coisas.

ISTOÉ – Como você lida com o fato de envelhecer?
Fittipaldi
– Quem acorda de manhã, toca a vida e tem motivação não envelhece. Aposentar é a pior palavra que existe. Diminuir o ritmo sim, parar nunca.


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