A atriz Denise Del Vecchio comemora o retorno aos palcos comemorando seus 52 anos de carreira com a estreia da montagem do texto inédito O Lado Fatal, de Lya Luft, no dia 10 de agosto no Sesc Belenzinho. Adaptação, direção, cenário e trilha de Darson Ribeiro, o solo tem figurino de João Pimenta, luz de Ney Bonfante e voz em off do ator José Rubens Chachá.
A adaptação do livro expõe a ‘elaboração’ da perda de dois anos e três meses de relacionamento, focada e fincada no ‘coração – o fatal lado esquerdo’, assim dito por Hélio Pellegrino – um dos maiores psicanalistas do país, com o qual a consagrada escritora viveu o tórrido romance.
O Lado Fatal vem frisar a importância da vivência do amor verdadeiro – que fez tremer Porto Alegre – e o país, e que, com coragem Lya Luft registrou em livro, e nunca foi montado nesses 35 anos de lançamento do livro. Uma história de amor e, ao mesmo tempo, de uma perda irreparável e devastadora. Principalmente num período pós-pandêmico, onde as relações se truncaram, como se o individualismo fosse a busca, não o compartilhamento afetuoso.
O Lado Fatal é o único livro autobiográfico de Lya Luft e expressa a dor vivida no luto pela perda de seu companheiro e grande amor, com quem viveu o desmedido amor com o psicanalista Hélio Pellegrino (1924 – 1988). Lançado em 1988, foi sucesso editorial até que, a pedido da própria Lya, teve sua publicação interrompida. Vinte e três anos depois, o distanciamento que o tempo trouxe e o novo olhar sobre sua obra deram à autora a compreensão de que o livro pertence ao leitor. Os 44 (quarenta e quatro poemas) do romance foram adaptados para 16 (dezesseis) cenas que vão da Abertura com “Sem Palavras” (emprestado de um outro romance dela, ‘O Silêncio dos Amantes’, à resplandescência de ‘Não Me Consolem’… narrando o cotidiano do casal desde as coisas mais simples até as mais ardentes.
O projeto
Darson Ribeiro tinha lido apenas o best-seller Perdas e Ganhos quando conheceu a autora anos atrás, em Porto Alegre, num festival de teatro, e então, mergulhou nas obras da autora e, após a leitura de O Lado Fatal , teve a certeza de querer montá-lo. Passaram então a se comunicar com a insistência dele para a montagem (que ela sempre negava) e, somente em 2021, a autora deu o sinal verde, acompanhando o processo de adaptação de seu texto para o palco. “Lya Luft liberou totalmente minha adaptação me deixando bem à vontade”, informa. “Para compor minha encenação, precisava de uma atriz consolidada, que fosse capaz de entender as entrelinhas da escrita de Lya e dar voz à uma escrita que reforcei entre repetições, trocadilhos e neuroses, convidei Denise Del Vecchio”, que duela com um analista invisível, afirma o diretor. “Para completar, o SESC SP abraçou a realização, e então pude buscar colaboradores que pudessem ‘viajar’ comigo nessa estética refinada valorando o ‘conjunto da obra’, como João Pimenta e Ney Bonfante.”
A atriz
“Como amante da língua portuguesa está sendo um enorme prazer poder dizer as palavras de Lya Luft. O livro é primoroso e o texto exige rigor e precisão na sua interpretação. Ousadia, coragem, amor, dor e morte estão presentes nessa visão tão feminina de Lya, mas também a simplicidade do cotidiano de cada um de nós está expressa na personagem”, conta a atriz. Denise não conhecia esse livro em especial, “A adaptação do Darson é primorosa, respeitando o estilo e as palavras da autora”, diz Denise, longe dos palcos desde Caixa de Memórias, encenação de Marcio Aurelio, de 2018. Mesmo já tendo encenado monólogos ao longo da carreira, a atriz já atuou algumas vezes sozinha no palco, mas… “sem dúvida esse é o que tem mais me exigido durante os ensaios”, relata, completando que “num solo é preciso primeiro vencer a solidão em cena para criar um jogo próprio no qual apenas o público é o parceiro e, nesse caso de O Lado Fatal, a solidão da atriz se soma perfeitamente à solidão da personagem.”
Diretor e encenação
A encenação de Darson Ribeiro brinca com o real, o imaginário e o simbólico. Darson adaptou o livro situando a personagem Lya Luft num consultório de psicanálise – homenagem a Hélio Pellegrino, conta. “Uni as perdas e, consequentemente, o amor tratado cotidianamente pelos dois – que se conheceram espontaneamente num congresso na capital gaúcha de Porto Alegre – e criei literalmente uma sessão de psicanálise de sessenta minutos.” Uma tela de videomapping invade o realismo do consultório. No cenário, a cadeira do analista é uma réplica de uma cadeira ‘Gelli’ – usada por Hélio Pellegrino em seu consultório na Av. NSa. Copacabana, no Rio, o lado de um divã clássico Chesterfield desenhado e confeccionado especialmente para a peça – para melhor acolher seu desenho de cena que põe a atriz em várias posições, além de um piso inspirado nas texturas alfásticas que cobre toda a área cênica de 8m X 6m.
No figurino, a ideia sugerida pelo diretor a João Pimenta é que a peça usada pela atriz revelasse as camadas psicanalíticas e neuróticas inerentes a todo ser humano. O único vestido em cena trará esses detalhes em caudas, caimentos e sobreposições. Entre cartas, relatos, depoimentos, e declarações pessoais, a personagem troca, narra, e argumenta ao psicanalista (voz em OFF do ator convidado José Rubens Chachá) em pequenos e grandiosos gestos – uma de suas principais perdas até os seus 83 anos. A trilha musical da peça foi inspirada na canção Prelude, do trio trip hop britânico London Grammar, cuja letra se adapta à encenação, versus a força do rock clássico de Patti Smith, com Because the Night, que traz o solar às possibilidades do viver de uma mulher-escritora-famosa e da mulher-comum, “com suas idiossincrasias e repressões como todos nós.
O encenador conta que suas montagens geralmente são calcadas em temáticas que avalia “necessárias serem ditas – encenadas – expostas. O fato de uma das maiores escritoras do país romper tradições e paradigmas largando sua terra para viver um amor avassalador com Hélio Pellegrino – célebre mineiro, que, além de escritor, levantou a bandeira da sociabilização e descentralização da psicanálise – lhe causou espanto. Resolveu então se embrenhar na força das ficções para entender seu único livro autobiográfico – afinal, “Lya era uma mulher altamente conhecida e respeitada que rompeu valores do conservadorismo e da tradição para buscar os seus por meio do amor”.
Serviço
SESC Belenzinho – Sala de Espetáculos II. R. Padre Adelino, 1000 – Belenzinho, São Paulo – SP, 03303-000. Tel. (11) 2076-9700. Duração – 55 minutos. Capacidade – 160 lugares. Classificação etária – Livre.