PL Antifacção: Derrite deu ‘presente’ para o crime organizado, diz secretário do MJ

Em entrevista à IstoÉ, Marivaldo Pereira afirmou que alterações no texto original do governo têm caráter exclusivamente político

Valter Campanato/Agência Brasil
Secretário de Acesso à Justiça, Marivaldo Pereira. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O secretário Nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo Pereira, afirmou à IstoÉ que as alterações propostas pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP) no Projeto de Lei Antifacção são um “presente de Natal” para o crime organizado e que o governo Lula (PT) trabalhará até o esgotamento dos recursos contra a versão apresentada pelo relator.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), nomeou Guilherme Derrite como relator do Projeto de Lei Antifacção, mas decidiu retirar a proposta da pauta de votações nesta terça-feira, 11, diante da falta de consenso entre os partidos. O texto é considerado uma das principais apostas do governo federal no enfrentamento ao crime organizado, tema sensível para o Planalto. A escolha de Derrite, porém, causou desconforto na base governista, já que ele é secretário de Segurança Pública de São Paulo, no governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), e reassumiu temporariamente o mandato na Câmara apenas para relatar o projeto.

O impasse representa o atrito entre a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a oposição, especialmente em relação à narrativa de combate ao crime organizado. Impulsionado após a operação policial mais letal do Rio de Janeiro, o projeto surgia como trunfo do petista na campanha de reeleição para 2026 – mas a entrada de Derrite embaralha as disputas pela pauta de segurança pública.

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Derrite

Guilherme Derrite

Marivaldo apontou que o texto substitutivo de Derrite apresenta diversos “erros grosseiros”. Na adaptação, o deputado endurece significativamente as punições e amplia o enquadramento legal contra facções e milícias armadas. Além disso, propõe regras mais rígidas para progressão de regime, proibição de auxílio-reclusão e inelegibilidade para pessoas listadas em bancos estaduais de faccionados, que substituiriam o banco nacional previsto pelo governo. Para o secretário do Ministério da Justiça, as mudanças beneficiam o crime organizado, em detrimento de combatê-lo.

“Estamos pleiteando a votação da proposta apresentada pelo Executivo. O projeto de Derrite tem inconstitucionalidades, erros técnicos grosseiros e pode provocar um caos jurídico em todo o sistema de combate às organizações criminosas”, alegou o secretário.

Segundo o entrevistado, o novo projeto apresentado carece de embasamento técnico e jurídico, destoando de propostas anteriores elaboradas pelo governo com o apoio de juristas especializados em direito penal. Ele explica que, atualmente, integrantes de organizações criminosas já são punidos tanto pelo crime cometido quanto pela participação na organização, o que garante coerência ao sistema penal. No entanto, a nova proposta incluiria uma qualificadora que aumentaria a pena para os mesmos crimes, o que, na avaliação de Marivaldo, seria inconstitucional por representar uma dupla punição. Segundo ele, esse detalhe revela que o projeto tem caráter “exclusivamente político, sem qualquer análise técnico-jurídica”.

A proposta de Derrite também equipara as facções criminosas à práticas de terrorismo. De acordo com Pereira, o enquadramento na Lei Antiterrorismo não traz nenhuma vantagem e seria possível endurecer a batalha contra organizações por meio da própria Lei de Organizações Criminosas. Para ele, a proposição tem “objetivo declarado de tentar violar a soberania nacional e provocar a intervenção de países estrangeiros”, uma vez que integrantes desses grupos passariam a ser vistos internacionalmente como terroristas. 

No que diz respeito à participação da Polícia Federal no combate ao crime organizado, a nova versão do texto manteve a exigência de comunicação prévia aos estados – ou seja, ainda seria necessário um pedido formal do delegado de Polícia Civil ou do Ministério Público do estado onde o caso estiver correndo para que agentes federais participem das ações. Segundo Marivaldo, o relatório propõe um “afastamento da PF das organizações criminosas”.

“Se aprovada, essa proposta vai alcançar as investigações em andamento, o que vai abrir espaço para que os advogados de investigados questionem a competência da Polícia Federal para atuar nos casos. É um verdadeiro presente de Natal para o crime organizado”, alertou.

Embates com o Planalto

Para o entrevistado, o texto original “buscava atender ao apelo da população por medidas mais duras no combate às organizações criminosas”. A urgência de mobilização entorno do projeto se deu em resposta à operação no Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho que deixou 121 mortos no fim de outubro. O texto é visto por interlocutores do Planalto como a chance de colocar o tema na pauta da candidatura à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

A escolha de Derrite como relator, porém, indica uma abordagem diferente em relação às facções e às estratégias de mitigação da criminalidade, uma vez que o deputado representa a ala de oposição à gestão Lula. As alterações sobre afastamento da PF – aliado ao uso da Lei Antiterrorismo – exemplifica, para Marivaldo, o descaso da direita com medidas efetivas de segurança pública.

“A extrema-direita, que não tem nenhuma preocupação com a segurança pública e está com medo da Polícia Federal, está retirando a PF do combate ao crime organizado e equiparando esses delitos ao terrorismo, com o objetivo declarado de tentar violar nossa soberania nacional e provocar a intervenção de países estrangeiros”, disparou Marivaldp.

Mais do que isso, Marivaldo alega que a seleção de Derrite ocorreu de forma apressada, e que não houve diálogo em relação às adaptações: “O relator foi escolhido e em duas horas apresentou o texto. Em nenhum momento, ele procurou o Ministério da Justiça para dialogar sobre o texto, que começou conosco. Nós temos diálogo constante com parlamentares, mas não houve qualquer possibilidade de diálogo neste caso”, informou à IstoÉ. Para ele, o objetivo das alterações é “gerar instabilidade política na perspectiva de algum fruto político em 2026”.

“Se houvesse preocupação com a segurança pública, o secretário Derrite ficaria em São Paulo cuidando dos inúmeros problemas que são enfrentados no estado quanto à segurança pública, não deixaria a Secretaria para vir a Brasília apresentar uma proposta que acaba com toda a sistemática de combate ao crime organizado”, comentou.

O secretário do MJ conclui garantindo que o governo federal vai fazer o que for necessário para evitar que essa proposta seja aprovada pela Câmara: “Se for aprovada na Câmara, vamos ao Senado com argumentos técnicos para impedir sua aprovação. Se aprovada no Senado, vamos recorrer ao veto [do presidente Lula]. Uma vez derrubado o veto [pelo Congresso], iremos ao Supremo questionar a inconstitucionalidade que é afastar a polícia mais equipada, preparada, experiente e eficiente do combate ao crime organizado”.