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NA AVENIDA
A comissão de frente da Unidos da Tijuca: só nota dez

Em cinco minutos, o celular toca três vezes. O telefone fixo, duas. Educado, ele tira o cigarro da boca e pede licença para atender às chamadas. Cumprimentos, pedidos de entrevistas, convites. O assédio não dá trégua ao carnavalesco Paulo Barros, 47 anos, um dia depois de ele vencer o Carnaval do Rio de Janeiro, com a escola de samba Unidos da Tijuca. Barros está em seu escritório no barracão da agremiação, na Cidade do Samba. Na noite do domingo 14, tirou o fôlego de quem estava nos camarotes e arquibancadas do Sambódromo carioca quando apresentou uma comissão de frente com seis mulheres que, como em um passe de mágica, trocavam de roupa seguidamente na avenida, em menos de dois segundos. As cenas, que parecem ilusionismo, continuam arrebatando à medida que a evolução da inesquecível trupe é incansavelmente reprisada nas tevês e corre o mundo pela internet. Barros é um marco, uma espécie de novo Joãosinho Trinta. Representa o Carnaval do futuro, com carros menos luxuosos e que provocam maior participação do público. “Os tripés e alegorias vivas, com foliões interagindo com o enredo, ditarão as regras”, diz Ricardo Cravo Albim, fundador do Museu da Imagem e do Som do Rio e estudioso de samba e Carnaval. “É Segredo!”, o enredo campeão, é também uma espécie de mantra que Barros repete cada vez que é perguntado sobre como fez o truque na comissão de frente.

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“O segredo é olhar não para o ponto que mais chama a atenção, mas sim para o que está em volta. A resposta está ao redor”, disse ele à ISTOÉ. Para conseguir o efeito ilusionista, passou mais de um mês assistindo incessantemente a um vídeo com a mágica, no YouTube, até desvendar o mistério e transmutá-lo para a avenida. Outras fontes de inspiração e criatividade de seu sempre inovador trabalho são os livros, os filmes, as músicas e a genuína capacidade de observar tudo à sua volta. As publicações sobre a mesa de seu escritório dão dicas sobre o que andou pesquisando ultimamente. Três são em inglês – “Tesouros do Islã”, “Nova Enciclopédia Larousse da Mitologia” e “Vinte Anos Sob o Sol”, do Cirque du Soleil – e um, em português, “Dicionário de Lugares Imaginários”. O carnavalesco é apaixonado por antigas civilizações, como as dos egípcios, dos maias e dos incas, além de fã de obras lúdicas como “Alice no País das Maravilhas”, “Sítio do Pica-Pau Amarelo” e “O Mágico de Oz”. O processo de criação de Paulo Barros é solitário e secreto. Jamais compartilha uma ideia antes de concretizá-la em um projeto coletivo. Também se recusa a detalhar, explicar o que já fez. “Sempre foi assim, pensativo, fechado, desde criança”, diz a mãe, Celina Barros. O menino que não gostava de futebol, bolinha de gude ou de soltar pipa, despertou para o Carnaval aos 13 anos, quando começou a desenhar as fantasias que seriam costuradas pela mãe para ele e seus três irmãos usarem. Tornou-se carnavalesco profissional e seu nome começou a brilhar em 2004, ano em que causou enorme impacto com a Unidos da Tijuca ao apresentar o carro alegórico “A Pirâmide Humana”, no qual homens e mulheres pintados de azul imitavam a corrente de DNA humano. Naquele ano ficou em segundo lugar, mesma colocação obtida com a escola em 2005.

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A busca pelo perfeccionismo também ajuda a entender a magia de seus desfiles. “Não tolero erros, nem os meus nem os dos outros”, admite Barros. Mas demonstrou ter humildade ao aceitar a sugestão de um enredo dada por um adolescente de 15 anos, o carioca Vinícius Ferraz, através do site de relacionamento Orkut. Foi o que aconteceu com “É Segredo!”, que o levou ao seu primeiro campeonato e ao segundo da Unidos da Tijuca – o anterior foi em 1936. “Não esperava que a ideia fosse pra frente, achei um barato ter dado certo. Já mandei mais uma sugestão para o Paulo”, diz o adolescente, que sonha, claro, em ser carnavalesco. Antes de se dedicar ao Carnaval, Barros foi comissário de bordo durante 14 anos. Certa vez, em um voo do Rio para Lisboa, uma senhora lhe pediu ajuda porque estava com medo e muito nervosa. Ele pediu que ela colocasse o passaporte na boca e depois mordesse. A estranha sugestão não foi compreendida. “É que se o avião cair e a gente morrer, a senhora será identificada com mais facilidade”, explicou, provocando um inesperado riso da mulher. Na engenharia de delírios que Barros efetiva nos carnavais, há também parcerias importantes, como as feitas com as pesquisadoras da Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A criação e a estética são totalmente dele, mas nós participamos com informações e conhecimento científico. Ele inventa coisas que só conseguimos compreender quando é apresentado na avenida. E nos deixa de boca aberta”, diz Isabel Azevedo, vice-diretora da Casa da Ciência. Quando ele criou o carro do DNA, as pesquisadoras o municiaram com os dados do que era cientificamente importante no enredo que falava de genética. Com as informações recebidas de como são os genes, da cadeia de DNA, por exemplo, depois criou alegorias de Carnaval. Além de Isabel, integram a equipe do carnavalesco Simone Martins e Ana Paula Trindade. Por fim, Barros reza na cartilha do carnavalesco Joãosinho Trinta, responsável por alguns dos melhores momentos do Carnaval carioca. “Todos fomos influenciados pelo João. A diferença é que eu encontrei o meu próprio caminho”, diz ele. Trinta, que mora em Brasília atualmente, exalta o show do colega: “O trabalho dele é impulsionado pelo talento, persistência, pesquisa e inovação.” Nota dez.

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