O recado veio de quem entende do assunto: “Sendo artista e mulher de negócios, eu tenho de acompanhar as transformações na indústria da música.” Foi assim, como uma fria executiva, que a cantora Madonna anunciou a assinatura de um contrato milionário com a companhia Live Nation, empresa americana especializada na promoção de shows e turnês. Na trilha do cantor Prince, que presenteou os leitores de um jornal inglês com o seu novo CD, e de Paul McCartney, que lançou seu primeiro álbum com a produtora Hear Music, do império de cafés Starbucks, a popstar americana deixou a Warner Brothers, que cuida da sua carreira há 30 anos, para se tornar mais uma artista de sucesso a não estar ligada a uma gravadora tradicional. A decisão de Madonna revela uma tendência do mercado fonográfico: como vender CDs já não é o filé mignon do setor, é preciso criar novos produtos – e o dos shows tem se mostrado o mais rentável.

A nova empresa por trás de Madonna vai administrar as turnês da cantora e todos os seus negócios. “Existem ilimitadas formas de minha música chegar aos fãs. Acho isso bom, não gosto de limitações”, disse a “material girl”. Ou seja: além das milionárias apresentações ao vivo, ela ainda vai poder apoiar o download de músicas pela internet, já que nenhum vínculo contratual a impede. O novo contrato vale por dez anos e está avaliado em US$ 120 milhões. “Por muito tempo a indústria sobreviveu apenas com a venda de discos. Hoje já não é suficiente”, disse José Antonio Eboli, presidente da Universal Music Brasil. Está certo o executivo. A maior prova disso é a volta de bandas extintas, cujos integrantes viviam dos rendimentos da venda de seus polpudos catálogos.

Eles querem voltar aos palcos e explorar o mercado dos shows. Led Zeppelin, The Police, Genesis e Sex Pistols são apenas algumas das bandas que esqueceram antigas desavenças e se reuniram para realizar turnês mundo afora. Seguem o exemplo dos Rolling Stones, que sempre anunciam uma última apresentação, mas logo adiam a aposentadoria, batendo recordes sucessivos a cada temporada. A bigger bang, que teve seu maior público no Brasil, registrou o incrível faturamento de US$ 560 milhões, um recorde mundial. De olho no exemplo dos Stones, The Police desembarca no Rio de Janeiro em dezembro para um show histórico no Maracanã. A banda já passou por Paris e Londres tocando seus maiores sucessos, como Roxanne e So lonely. Depois de duas décadas afastados, Sting, Stewart Coppeland e Andy Summers reuniram mais de 100 mil pessoas no Wembley Arena, de Londres. No Brasil os ingressos custarão entre R$ 160 e R$ 500. Na mesma linha, o cantor Robert Plant, o guitarrista Jimmy Page e o baixista e tecladista John Paul Jones vão repassar os grandes clássicos do Led Zeppelin num único show em Londres no dia 26 de novembro. O substituto do baterista John Bonham, morto em 1980, será o filho do músico, Jason. Essa vai ser a primeira apresentação do grupo em 19 anos, com ingressos em torno de 125 libras (R$ 485). A banda já vendeu mais de 300 milhões de cópias no mundo e é dona de clássicos como Dazed and confused e Stairway to heaven, canções que recheiam os 11 discos do grupo, disponíveis para download a partir da próxima semana. O presidente da EMI, Marcelo Castello Branco, acredita que é possível a coexistência das duas mídias, CDs e downloads da internet. “Para uma existir, a outra não precisa morrer. O mercado está em um processo de transição”, diz o executivo.

E nessa transição, algumas novidades vão surgindo. No Brasil, as gravadoras correm contra o tempo e criam um novo modelo de negócios para não perder os seus artistas. Ou ter de se desfazer deles, o que é pior. Maria Rita, por exemplo, deixou a produtora Macuco para ser agenciada pela Warner, que não vai apenas lançar seus discos, como o mais recente, Samba meu. De agora em diante, toda a sua agenda de espetáculos vai ser feita pela gravadora, que antes deixava essa rentável área a cargo dos empresários. Seguindo a mesma estratégia da Warner, a filial brasileira da multinacional Sony BMG mudou sua razão social para Day1 Entertainment. A idéia é deixar de ser apenas gravadora para tornarse gerenciadora da carreira de artistas, como Paulinho da Viola, que acaba de colocar nas lojas um DVD pelo grupo.

Ao ampliar suas atividades para o ramo dos shows, a Sony BMG passa a contar com uma fatia maior de rendimentos, em média 50% do faturamento das turnês. Não se trata de uma idéia nova. Na década de 70, Gene Simmons, do Kiss, já dizia que artista ganha dinheiro se apresentando ao vivo e vendendo muito merchandising, como camisetas, bótons, bonés e demais artigos promocionais. Mas 2007 foi o ano em que a idéia emplacou para valer: nunca ocorreram tantos reencontros musicais. E nunca tantos artistas abandonaram o conforto das mansões em ilhas desertas e colocaram de novo o pé na estrada.