Rege o ditado popular que santo de casa não faz milagre. Desde que chegou ao governo, há quase cinco anos, o ditado tem permeado a rotina de trabalho do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Toda vez que Meirelles reúne o Comitê de Política Monetária, o Copom, para decidir a taxa básica de juros, a Selic, ele recebe críticas pesadas aqui dentro, como se fosse a encarnação do demônio – e elogios rasgados lá fora, como se fosse o messias dos emergentes. Certa vez, quando sua política ultra-ortodoxa estava no ápice e os juros na estratosfera, as centrais sindicais cercaram o BC durante uma reunião do Copom, acenderam velas e passaram a madrugada adentro em vigília, num ritual para exorcizar Meirelles. De uns tempos para cá, contudo, os humores internos vêm mudando. Os empresários têm sido menos ácidos e os sindicalistas silenciaram. Meirelles até se tornou popular. “Em aeroporto, em restaurante, pessoas que não conheço estão me abordando para dizer que estou fazendo certo”, diz Meirelles à ISTOÉ. O banqueiro está sendo aprovado até mesmo na praia de Ipanema, onde tem apartamento. “Estão sorrindo pra mim no calçadão, acenando, tenho recebido até tapinhas nas costas. Antigamente, só me abordavam com ironias do tipo: ‘Quando é que você vai abaixar os juros?’ As pessoas não entendiam que a maneira de os juros caírem era manter a inflação na meta por um período longo.”

Na semana passada, Henrique Meirelles chegou ao topo do prestígio internacional possível a um banqueiro. No domingo 21, durante a reunião anual do Fundo Monetário Internacional, em Washington, ele foi ungido como o “Banqueiro Central do Ano”, concedido pela revista britânica Euromoney. O prêmio é reconhecido como o mais importante do mundo nessa área, o que faz dele um dos banqueiros mais badalados da atualidade, espécie de fiador internacional da política econômica brasileira. Para fazer a escolha, o Conselho Editorial da Euromoney conversa com líderes do mercado financeiro e estuda as estatísticas macroeconômicas dos países. Por que Meirelles? “O Brasil sempre foi uma economia excitante, cheia de potencial, mas também tem sofrido muitos choques e crises”, explica à ISTOÉ o publisher da publicação, Neil Osborn. “Agora, pela primeira vez na história, o Brasil está estável, com um sistema bancário forte, um bom crescimento econômico e com a inflação administrada.” E acrescenta: “Muito disso se deve à calma e à habilidade de Meirelles.” O que diz Meirelles? “Na prática, esse prêmio significa que o mercado financeiro internacional reconhece que nossa política monetária está no caminho certo. Há muito recebemos elogios nas conversas, mas agora é como se fosse o reconhecimento oficial”, acrescenta.

O mais curioso é que Meirelles foi ungido lá fora três dias depois de, aqui dentro, o Copom interromper a queda dos juros. A taxa Selic vinha caindo havia 22 meses consecutivos. Ato contínuo, os bancos privados começaram a subir suas taxas de juros para o consumidor. “Eles subiram em função do aumento da taxa de juros internacional, não do Copom”, justifica Meirelles. O fato é que, com tal decisão, a ortodoxia do presidente do BC naturalmente voltou a receber críticas do setor produtivo interno – só que críticas mais amenas. A novidade é que desta vez sua prudência também foi elogiada por adversários históricos. O economista e ex-ministro das Comunicações Luís Carlos Mendonça de Barros publicou um artigo defendendo a interrupção da queda dos juros. Segundo ele, se afrouxar a política monetária agora, será muito mais difícil ajeitar depois se algo der errado. “Alguns dos mais apressados acabam por declarar o fim da história e passam a olhar apenas para as lições do passado”, filosofou o tucano Mendonção. “E, ao se acomodarem, preparam-se para um período de erros de análise significativo.” Meirelles comemorou o artigo como se tivesse ocorrido um milagre – desta vez, com santo de casa.

A imagem pública de Meirelles vem mudando há cerca de um ano, segundo sua própria avaliação. “É uma coisa gradual”, explica. “A população, ao contrário da imprensa e do empresário, não presta tanta atenção na taxa Selic. Presta atenção no poder de compra.” E prossegue: “Começou a virar com as classes mais baixas; o papo hoje é que o consumo já começou a reagir rapidamente na classe média e as pessoas estão sentindo mais segurança.” O grande teste da política ortodoxa de Meirelles ocorreu quando estourou a crise da bolha imobiliária nos Estados Unidos. O Brasil saiu incólume. Mais que isso, passou a ser alvo de um interesse inédito dos investidores internacionais. Mas será que o País está blindado? “A possibilidade de recessão nos EUA existe. Mas, como nosso crescimento é robusto, é razoável não sermos atingidos de frente por uma nova crise internacional.” Assim pensa o banqueiro central do ano.

MANTEGA BATE NO FMI E QUER ENTRAR NO G-7
Como há muito não se via nas reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington, o Brasil bateu duro na principal entidade, criada após a Segunda Guerra Mundial. “Ou o Fundo muda ou perece por falta de função e legitimidade”, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na reunião encerrada no domingo 21. O FMI, que nas crises financeiras do século passado emprestou bilhões de dólares aos países emergentes – e cobrou ortodoxia na gestão das contas públicas –, agora deveria reconhecer o papel estabilizador que esses países têm na economia global.

As críticas surtiram efeito. O Comitê Monetário e Financeiro Internacional do FMI concordou em dar maior peso aos países emergentes na futura redistribuição das cotas (ou seja, no poder) da instituição. E o ministro brasileiro ainda fez lobby com o secretário do Tesouro Henry Paulson para que o G-7, clube que reúne os sete países mais ricos, aceite como membros o Brasil, a China, a Índia e a África do Sul.