No próximo ano, a ciência deverá dar mais um passo histórico. Cientistas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, planejam iniciar o primeiro estudo clínico – em seres humanos – do mundo para avaliar a eficácia de um tratamento criado a partir de células- tronco embrionárias humanas. Extraídas de embriões humanos congelados e que seriam descartados por clínicas de fertilização in vitro, essas células têm o potencial de se transformar em qualquer tecido do organismo. São pluripotentes. Podem ser usadas, por exemplo, para criar corações, fígados ou neurônios novos em folha para substituir aqueles que por alguma razão estiverem danificados.

A iniciativa do grupo americano será um divisor de águas por alguns motivos. Até hoje, as pesquisas clínicas com células-troncos desenvolvidas em todo o mundo, inclusive no Brasil, utilizam as chamadas células- tronco adultas. Elas são retiradas de outras fontes, como a medula óssea ou o cordão umbilical. O problema é que sua capacidade de gerar diferentes tecidos é mais limitada. É por isso que a comunidade científica se empenha em formular terapias com as embrionárias, muito mais versáteis.

Porém, esses estudos continuam esbarrando na questão ética de se utilizar células extraídas de embriões. A polêmica ainda é muito forte até mesmo em países onde as pesquisas com embrionárias são liberadas, como nos Estados Unidos. No Brasil, os estudos são permitidos e vários estão sendo realizados, mas por enquanto. Isso porque a lei que autorizou os trabalhos, aprovada em 2005, está sob avaliação da Justiça depois que a Procuradoria Geral da República moveu uma ação contra a legislação com o argumento de que o uso de embriões fere o direito à vida e à dignidade humana.

A pesquisa americana irá testar a eficácia do uso de células-tronco embrionárias no tratamento de lesões medulares graves. A equipe, coordenada pelo neurobiologista Hans Keirstead, conseguiu usar essas células para criar oligodendrócitos. Essas células são componentes da mielina, estrutura que acelera a transmissão dos impulsos nervosos. Se ela estiver lesada por alguma doença ou trauma, pode ocorrer paralisia. Nos testes feitos em animais, as células formaram uma nova fibra de mielina e ajudaram na recuperação das cobaias. O grupo também confirmou a segurança do procedimento. “Temos de nos lembrar que, para realizar estudos em humanos, é preciso estar seguro de que o tratamento não causará prejuízo. Nosso estudo foi um passo importante neste sentido”, disse Keirstead. Os pesquisadores ainda não deram mais detalhes de como será o trabalho (quantos participantes, quem poderá se candidatar para participar etc.).

No Brasil, a boa notícia vem da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lá, o grupo de Stevens Rehen conseguiu usar as embrionárias para criar neurônios. É a primeira vez que brasileiros conseguem tal façanha. “Agora, queremos fazer com que esses neurônios façam conexões entre si. Depois, desejamos analisar sua capacidade para tratar lesões de medula e mal de Parkinson”, informou Rehen.