A carioca Camila Lourenço é uma típica adolescente de 18 anos. Passa horas no computador, vai todo dia à escola e está com os hormônios à flor da pele. Mas há uma singularidade – ela é surda desde o nascimento. Na semana passada, porém, conseguiu ouvir pela primeira vez em alto e bom som o choro da irmã, Clara, de quatro anos, e se emocionou ao conhecer a voz da mãe. “Pude escutar como ela é, originalmente”, diz a garota.

O procedimento que fez Camila finalmente descobrir o som do mundo foi o implante coclear. Trata-se de uma cirurgia feita para a colocação de um aparelho dentro do ouvido que faz o papel da cóclea – estrutura do sistema auditivo responsável pela transformação do som em sinais elétricos posteriormente enviados pelos nervos ao cérebro, onde os estímulos serão decodificados. “Desse modo, restitui-se a audição a pessoas que possuem os nervos intactos”, explica o otorrinolaringologista Arthur Castilho, da Universidade Estadual de Campinas, responsável pela operação de Camila, feita em São Paulo há dois meses. Ele também é presidente da Sociedade Paulista de Otorrinolaringologia. Antes, Camila usava próteses otofônicas – os conhecidos aparelhos de surdez – para amplificar os poucos sons que escutava.

A vitória da jovem é exemplar. Primeiro, ela não teria conseguido o implante se não fosse a obstinação da mãe, a pedagoga Tânia, 40 anos. Desconfiada de que a filha tinha algum problema auditivo, aos sete meses levou-a ao pediatra. “Eu a chamava e ela não me atendia. Mas o médico disse que ela era esperta e não fez exames”, diz a pedagoga, que depois foi a um otorrinolaringologista. O médico confirmou o diagnóstico equivocado do colega, também sem fazer exames. Inconformada, Tânia entrou em depressão e foi a um psiquiatra, que a encorajou a ir com a filha a mais um especialista. “Consultei uma fonoaudióloga. Ela me levou a um médico que identificou uma deficiência auditiva profunda nos dois ouvidos da Camila”, diz a mãe. Em seguida, contratou três sessões semanais de fonoaudiologia para a menina, hábito mantido até hoje. Isso garantiu que Camila aprendesse a articular palavras e se comunicasse falando com desenvoltura. Essa “oralização” é uma condição necessária para adultos que desejam receber os implantes cocleares. É por isso que, na rede pública, por exemplo, a maioria das cirurgias é feita preferencialmente em crianças com menos de três anos. “Nessa fase, a criança aprende os sons e adquire a linguagem oral com grande facilidade”, explica Castilho. Por fim, a família de Camila e o médico conseguiram que o convênio pagasse a operação e a prótese, que custa cerca de R$ 78 mil

A falta de centros habilitados para o implante também dificulta o acesso a essa solução. Existem oito locais autorizados pelo SUS a fazer o implante: seis em São Paulo, um no Rio Grande do Norte e outro no Rio Grande do Sul. “Temos cerca de 300 mil brasileiros com deficiências auditivas e apenas 1,2 mil com implantes. Mais pessoas poderiam ser beneficiadas”, explica Castilho. O especialista recomenda que os pais realizem nos recém-nascidos um teste que avalia sua capacidade auditiva. Não é obrigatório, mas hospitais como o Albert Einstein, em São Paulo, já o incluíram na sua rotina.

MUNDO BARULHENTO O som da água é emocionante

ISTOÉ – O que você sentiu ao ligar o aparelho pela primeira vez?
Camila – Fiquei emocionada, mas um pouco assustada porque tive a sensação de ter levado um choque no ouvido. Na rua, levei um susto com a buzina de um caminhoneiro. Mas aos poucos estou me acostumando com os sons.

Quais sons você já ouve?
Vozes, trânsito, choro de crianças, motor do avião, objetos que caem no chão, entre outros.

Qual som deixou você mais feliz?
Os toques do celular. Outro dia enchi as mãos de água e joguei na pia do banheiro para ouvir o som da água. Foi emocionante.

Antes do implante, o que você ouvia?
Alguns barulhos meio incompreensíveis e outros assustadores porque não sabia o que significavam nem de onde vinham.

O que já mudou na sua vida?
Praticamente tudo. Com os colegas do colégio, o Flama, em Ñova Iguaçu, estou me entendendo bem melhor.

O que tem sido mais difícil?
Ouvir no telefone, mas a fonoaudióloga disse para eu ter paciência e esperar me adaptar ao implante um pouco mais.

As vozes são como você imaginava?
Não. Percebi que há timbres diferentes. E alguns são irritantes.

Está achando o mundo muito barulhento?
Demais!!! No início fiquei com dor de cabeça.

Como é ouvir a sua própria voz?
Maravilhoso.

EFEITO COLATERAL
A agência americana que regulamenta medicamentos, o FDA, determinou que os fabricantes do Viagra, Cialis e Levitra – drogas contra a impotência – reformulem as bulas. A agência quer a inclusão do risco potencial de surdez temporária provocado por esses remédios. O FDA investiga essa possibilidade após listar 29 episódios envolvendo usuários. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária determina a correção automática da bula de produtos que sofreram alterações desses textos nos seus países de origem.