O galês Bertrand Arthur William Russell nasceu conde em 1872, num mundo tão tranqüilo que o imperador Pedro II largou o trono brasileiro nas mãos da filha, para viajar um ano inteiro pela Europa. E morreu filósofo, matemático e historiador em 1970, numa época tão agitada que o último combate de Russell foi no front da opinião pública contra a guerra do Vietnã.

Trabalho não lhe faltou em vida. Mas, sessentão, dono de uma obra que lhe daria o Prêmio Nobel de Literatura em alguns anos, ele achou que estava na hora de olhar para trás e escrever um tratado geral da preguiça. Fez um ensaio clássico, que infelizmente anda meio esquecido no Brasil. Deveria constar até dos currículos escolares, agora que o País anda às voltas com a voracidade do PAC, o desmatamento da Amazônia, a compra da Varig e outros sintomas de hiperatividade administrativa nos jornais de cada dia.

Russell cresceu num tempo em que a estiva regulamentar de um operário na Inglaterra girava ao redor das 12 horas por dia. O excesso de carga tinha melhorado muito desde o começo do século, quando batia nas 15 horas diárias. E ainda se escorava na suposição de que, deixado sem o que fazer, o povo faria besteira. "Quando eu era menino", ele contou, "pouco depois que os trabalhadores ganharam o direito de voto e certos feriados públicos foram estabelecidos por lei, lembro-me de ouvir uma velha duquesa perguntar: ‘Para que os pobres querem folga?’ As pessoas atualmente são menos francas, mas a idéia persiste e está na raiz de grande parte da nossa confusão econômica."

Russell tentou repor a preguiça em seu devido lugar, usando a velha anedota do forasteiro que, vendo 12 mendigos deitados ao sol de Nápoles, prometeu dar uma lira ao napolitano mais preguiçoso. Onze se ergueram instantaneamente. E ele entregou a lira ao décimo segundo. "Acho que há trabalho demais no mundo e muitos estragos causados pela crença de que o trabalho é virtuoso", argumentou Russell. E, sem contar com a indução ao ócio oferecida de graça pelo sol do Mediterrâneo, ele se propunha a reabilitar a inatividade por uma "grande campanha de esclarecimento público", por um mundo com menos "nervos em frangalhos, fadiga e dispepsia".

Como se vê nos problemas do presidente, toda vez que se mete a
fazer mais do que tocar a rotina de viagens e improvisos, o trabalho só lhe dá desgostos

Ele pôs na tarefa todo o peso de sua autoridade e de sua verve. Desancou, para começo de conversa, os cidadãos que poupam, porque assim eles enchem os cofres de governos que usam seu dinheiro para financiar guerras, delírios faraônicos ou coisas piores. Evitando armar o Estado, eles poderiam contribuir melhor para o progresso humano, gastando tudo o que tivessem com jogo ou bebida. E vai por aí em frente, através de 20 e tantos parágrafos de idéias claras, palavras certeiras, lógica implacável e sintaxe perfeita, como não se vê há muito tempo em discursos políticos.

Russell poderia até não estar falando sério, mas nem por isso deixava de ter razão. Como se vê nos problemas do presidente Lula, toda vez que se mete a fazer mais do que tocar a rotina de suas viagens e de seus improvisos. O trabalho só lhe dá desgostos e prejuízos políticos. E chegou aonde está paralisando o trabalho, como Russell queria.