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BABY BOOMERS John e Jackie Kennedy, ícones
da nova geração que chegava ao poder nos anos 1960

Mais uma vez, confirma-se a idéia fatídica de que a saga dos Kennedy se assemelha a uma tragédia grega. Ou shakespeariana. A riqueza, o poder e a glória da família cujo ápice foi o período em que o casal John e Jacqueline Kennedy ocupou a Casa Branca (1961-1963) têm atraído, com freqüência perturbadora, mortes violentas, acidentes e escândalos vários. A última manifestação desse "destino manifesto" do clã ocorreu agora em maio, quando o veterano senador Edward ("Teddy") Moore Kennedy, 76 anos, o caçula da geração de John Kennedy, foi diagnosticado com um tumor maligno no cérebro. Por estranha coincidência, Teddy ficou sabendo de sua doença dias antes do 40º aniversário do assassinato de seu irmão, o também senador Robert ("Bobby") Francis Kennedy. O mal que acometeu Teddy deixa no ar a questão: quem herdará o legado político da dinastia?

A história política dos Kennedy começa nos anos 1930 com o patriarca do clã, Joseph ("Joe") Patrick Kennedy (1888-1969), um empresário descendente de irlandeses que fez fortuna contrabandeando bebidas para a Máfia durante a Lei Seca (1919-1933). Joe cismou que um de seus filhos deveria chegar à Casa Branca. Todos eram bonitos e brilhantes, como os gregos; mas com irrefreáveis tendências etílicas e queda por rabos-de-saia, como os irlandeses. O escolhido, naturalmente, foi o primogênito, Joseph Patrick ("Joe Jr.") Kennedy Jr., mas Joe pai era prevenido. "Se alguma coisa acontecer ao Joe Jr.", dizia o patriarca, "temos Jack (John). Se alguma coisa acontecer ao Jack, temos Bobby. E se, finalmente, algo também acontecer ao Bobby, temos Teddy". Mas Joe pai nunca imaginaria que a tragédia se abateria sobre todos os eleitos, como se fora uma manifestação da Nêmesis, a personificação grega da "vingança dos deuses", contra a Hybris, a soberba e a desmesura. Joe Jr. morreria em combate em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. John seria assassinado em Dallas, no Texas, em 22 de novembro de 1963, quando era o 35º presidente americano. E Bobby, candidato a presidente, também seria morto a tiros em junho de 1968. Um ano depois, Teddy, o herdeiro, senador por Massachusetts desde 1962, envolveu-se num acidente automobilístico em Chappaquiddick (Nova York), no qual sua secretária, Mary Jo Kopechne, morreu afogada. A suspeita de que o senador fugiu da cena sem prestar socorro porque tinha um caso extraconjugal com Mary Jo minaria para sempre suas chances de chegar à Casa Branca. Depois disso, ninguém das gerações posteriores conseguiu segurar a tocha deixada pela geração de John, Bobby e Teddy. Dois filhos de Bobby morreram precocemente: David Anthony, em 1984, de overdose, e Michael LeMoyne, em 1997, em um acidente de esqui. E também John Kennedy Jr., filho de John, morreria junto com a mulher e a cunhada na queda de um avião que ele próprio pilotava, em 1999.

AG. ISTOÉ

TRACEY TRUMBELL/SIPA PRESS

Teddy é talvez o último representante, no espectro político americano, do liberalismo rooseveltiano do Partido Democrata. Nos Estados Unidos, isso significa adotar posições "de esquerda", como a defesa dos direitos civis e a manutenção do Estado de Bem-Estar. Kennedy rima como ultraliberalismo. Mas nem sempre foi assim. Embora apoiasse o New Deal de Franklin Roosevelt, o patriarca Joe Kennedy era reacionário e quase anti-semita. Como embaixador americano em Londres, nos anos 1930, simpatizava com Adolf Hitler e defendia o não-envolvimento dos Estados Unidos na guerra contra a Alemanha nazista. Seus filhos também começaram a carreira política à direita. Nos anos 1950, em plena Guerra Fria, enquanto John Kennedy estreava no Congresso aliado aos setores mais conservadores do Partido Democrata, o advogado Bobby trabalhava na famigerada Comissão de Atividades Antiamericanas, cujo presidente, o senador Joseph McCarthy, promovia uma caça às bruxas em nome do "combate ao comunismo".

AG. ISTOÉ

TEMPOS FELIZES O clã Kennedy em 1960,
pouco depois da eleição de JFK; e a casa da família
em Palms Springs, na Flórida. Acima, os irmãos Teddy,
John e Robert (Bobby) Kennedy

Na eleição presidencial de 1960, John Kennedy venceu o republicano Richard Nixon por uma margem mínima de votos (118 mil). Para isso, ele contou com o forte apoio do mafioso Sam Giancana em Illinois. Apesar da radical mudança de estilo que representou a chegada de Jacqueline Kennedy à Casa Branca, em termos políticos o governo Kennedy era tão obcecado pelo anticomunismo quanto Eisenhower ou Nixon. O presidente não só aprovou operações secretas contra Cuba, como a invasão da Baía dos Porcos em 1961, como iniciou a escalada das tropas americanas no Vietnã e a corrida nuclear – apesar das bobagens em contrário ditas no filme JKF, de Oliver Stone. Foi Bobby Kennedy, que se tornou procurador-geral (equivalente a ministro da Justiça) no governo do irmão, quem fez a virada política decisiva do clã. E esta se deu por causa do pastor negro Martin Luther King, líder da luta pelos direitos civis. Bobby, que inicialmente mandara o FBI espionar King por suspeitar que seu movimento estava infiltrado por comunistas, passou a defendê-lo na luta contra os racistas do sul dos Estados Unidos. O procurador se envolveu a tal ponto que ajudou o governo a preparar a Civil Rights Act (Lei dos Direitos Civis), que, entre outras coisas, acabava com a discriminação racial que perdurava no sul desde a Guerra Civil. Muito criticada no Congresso, a lei foi aprovada em 1964, sob o impacto do assassinato de John Kennedy. Eleito senador por Nova York em 1964, Bobby mergulhou na campanha pelos direitos civis e na defesa dos marginalizados. Também se tornou um crítico ácido da guerra do Vietnã. Naquele ano de 1968, o pré-candidato conquistou o apoio da juventude que se rebelava contra o establishment. Depois de Bobby, Teddy fez uma guinada ainda mais à esquerda e se tornou o algoz da política externa americana, principalmente do apoio de Washington a ditaduras do Terceiro Mundo.

O candidato democrata Barack Obama já se declarou herdeiro do legado dos Kennedy. É uma homenagem que o primeiro candidato negro à Casa Branca presta à memória de JFK e Bobby. Mas ele conseguirá manter esse ideário progressista se ganhar as eleições de novembro?

EM NOME DO PAI

Caroline tinha apenas três anos quando uma fotografia sua correu mundo. Estava no colo da mãe, Jacqueline Bouvier Kennedy, acariciando o rosto do pai, John Fitzgerald Kennedy. Feita em janeiro de 1961, às vésperas da posse de John Kennedy como 35º presidente dos Estados Unidos, a imagem de Caroline não sinalizou seu alinhamento com a trajetória pública da família. Adepta da discrição, ela formou-se em direito por Harvard, casou-se com o especialista em design interativo Edwin Scholossberg, teve três filhos e sempre manteve distância dos holofotes. Agora com 50 anos, a única filha viva do mitológico casal acabou por assumir o papel que parecia moldado para seu irmão mais novo, John Fitzgerald Kennedy Jr., o John-John, morto em um acidente aéreo em julho de 1999. À frente da fundação que leva o nome de seu pai, Caroline não hesitou em questionar o republicano George W. Bush, durante a campanha de 2004, quando ele tentou usar a seu favor a memória do presidente assassinado em Dallas. Mais recentemente, ela antecipou a posição da maioria do clã ao anunciar seu apoio ao democrata Barack Obama. "Nós precisamos de mudança na condução deste país, da mesma forma que aconteceu em 1960", disse.

AG. ISTOÉ

TRAQUEJO JFK, com Jackie e Caroline, às vésperas
de chegar à Casa Branca

No dia seguinte, estava ao lado do tio, o senador Teddy Kennedy, quando ele oficializou sua adesão à campanha de Obama. A mais recente missão de Caroline é ajudar Obama a escolher um vice para a chapa do Partido Democrata que disputará as eleições presidenciais de novembro. Tarefa fácil para uma garota nascida e criada em uma família cujos genes parecem determinar traquejo político. E cuja infância incluiu uma bela temporada na Casa Branca.

RICHARD DREW/AP

SÍMBOLO Aos 50 anos, Caroline apóia Barack Obama
e defende mudanças