Ao velho truque do seriado cult, feito no passado com os recursos cinematográficos que se tinha à época e refeito no presente com os avanços tecnológicos atuais, dá-se nova roupagem, mas mantêm- se a estrutura das histórias e as características dos personagens. É assim que na sexta-feira 20 chega simultaneamente aos cinemas de diversos países o filme Agente 86, originado no seriado televisivo homônimo que foi um estrondo de sucesso há quase meio século. O atrapalhado e muito engraçado agente Maxwell Smart era então interpretado pelo ator Don Adams. O filme, agora, é estrelado por Steve Carell, perfeito no papel. A produção custou à Warner cerca de US$ 80 milhões e, de olho no público jovem para o qual Maxwell talvez não passe de uma marca de pilhas, o diretor Peter Segal resolveu ser didático e apresentou o personagem em sua primeira história dos tempos de seriado.

Mero preparador de relatórios da agência americana de investigaçõeschamada Controle (espécie de CIA e FBI de quinta categoria) que luta contra a organização criminosa internacional Kaos, o estabanado mas carismático Maxwell Smart sonha em ser agente secreto e essa oportunidade surge quando a sede da Controle sofre um ataque. Como todos os espiões da casa tiveram a identidade revelada, menos ele e a sua bela companheira, a Agente 99 (Anne Hathaway), ambos são enviados para uma missão na Rússia. Num enredo que se propõe atual, a luta contra a ameaça terrorista ficaria mais convincente se esse destino fosse, por exemplo, o Paquistão. Mas para preservar o charme e as piadas originais, típicas da época da Guerra Fria, preferiu-se manter a Rússia, assim como também se manteve o mais popular vilão da série, Siegfried (interpretado por Terence Stamp), um CULTURA / CINEMA ex-nazista que ameaça municiar todos os "ditadores instáveis" do planeta com potentes armas nucleares.


AGENTE 86 O ator Steve Carell (à dir.) repete
poucos gestos de Don Adams (pág. ao lado)

Esse pano de fundo é uma bobagem – como era também na série televisiva criada por Buck Henry e Mel Brooks, que sempre sacrificou os fatos em favor da boa piada. E as piadas são, claro, o melhor do filme. Uma das boas acontece quando o Agente 86 e a Agente 99 têm de passar por um corredor atravessado por raios laser sem esbarrar em nenhum deles. Primeiro, é a sensual 99 quem vence os obstáculos, numa sucessão de poses de stripper.

Na seqüência, 86 faz o mesmo, sempre buscando a aprovação da colega mais experiente. Éuma seqüência impagável. Outra no mesmo estilo passa-se num avião, quando os dois espiões estão na mira de um brutamontes a serviço da Kaos. 86, que fora algemado por ser suspeito de terrorismo, tenta se livrar utilizando seus exóticos gadgets – um canivete suíço que dispara pequenos projéteis de titânio. Na tentativa de atirar um deles no cadeado da algema, ele acerta a si próprio diversas vezes, acabando por atingir o botão da abertura de emergência do avião. É jogado sem pára-quedas para fora da aeronave como um saco de lixo.

Uma das graças da série (cuja primeira temporada está sendo lançada em DVD) eram justamente essas geringonças eletrônicas usadas pelos agentes secretos, cada uma mais absurda que a outra, a ponto de o verdadeiro FBI tentar saber de onde os roteiristas tiravam tantas idéias. Além da sucessão de portas automáticas e da cabine telefônica- elevador, duas das mais clássicas invenções aparecem no novo filme: o cone do silêncio, usado pelo Agente 86 e o Chefe (Alan Arkin) sempre que eles tinham uma conversa sigilosa (o aparelho nunca funcionava, pois nenhum dos dois ouvia o que o outro dizia), e o telefone sem fio escondido no sapato direito de Maxwell. Numa época de celulares 3G, o uso de um aparelho do gênero só se justifica como homenagem, e foi assim que aconteceu. Na cena em que 86 fala no sapato- fone, ele é pego pelos inimigos e solta o clássico bordão: "É o velho truque de direcionar ligações telefônicas do sapato-fone ao celular para não saberem onde estou e depois aparecer no telhado atrás de você, surpreendendo a todos." Nada disso, contudo, daria resultado não fosse a grande atuação de Steve Carell, que, em vez de reproduzir todos os gestos de Don Adams (o que seria impossível como alguém que tentasse imitar Carlitos), preferiu criar o "seu" Agente 86. Ao contrário do personagem, que sempre "erra por um tantinho" (outra das tiradas clássicas), Carell acertou em cheio.