A indústria fonográfica comemorou em peso os resultados da venda do novo trabalho da banda de rock inglesa Radiohead. Lançado no Exterior no primeiro dia do ano, em uma semana o disco In rainbows vendeu mais de 120 mil cópias nas lojas dos EUA, indo direto para o primeiro lugar nas paradas. Também na Inglaterra, o álbum subiu rápido para o topo da lista dos mais vendidos. O motivo de tanto entusiasmo é que três meses atrás as dez canções inéditas do Radiohead foram disponibilizadas na internet pela própria banda, numa estratégia inédita de vendas – o cliente pagava quanto quisesse pelo CD. Foram feitos um milhão de downloads, 400 mil deles a um valor de US$ 6 (cerca de R$ 11). O fato de que fãs ainda corram para as lojas em busca do disco "físico" é a prova incontestável da sua sobrevida – seria esse o raciocínio dos executivos das grandes gravadoras. Qualquer observador atento ao que se passa no mundo da música sabe, no entanto, que esses fogos de artifício são mais apropriados para fim de festa.

O CD está com os dias contados. Nos EUA, a venda dos discos no ano passado caiu 9,5% em relação a 2006, enquanto a venda de faixas pela internet cresceu 45%. Foram 844,2 milhões de faixas (em 2006, eram 588,2 milhões), enquanto o de CDs ficou em 500,5 milhões. No Brasil, onde nem todo mundo tem um iPod e muito menos computador com banda larga, o comércio de CDs ainda representa o grosso do faturamento das gravadoras. "Aqui, 90% da conta é paga pelo suporte físico", diz José Pena, gerente de novas mídias da Emi Music Brasil. Ele revela que dos 10% de músicas vendidas através de download, apenas 7% é ocupado por faixas digitais e que o grosso das vendas (80%) se dá na modalidade mobile, ou seja, para celulares (o Brasil tem cerca de 120 milhões de aparelhos). O maior hit do momento é Tropa de elite, do Tihuana, que está fechando janeiro com 200 mil downloads. "Se você analisa esse número pensando em um CD de dez faixas, dá 20 mil CDs, um número nada desprezível", diz Pena.

A dificuldade no caso brasileiro é fazer o consumidor pagar por algo que que ele consegue de graça, ainda que numa qualidade técnica inferior, por meio da troca de arquivos na internet. "As gravadoras não são contra o consumidor ter música de graça. Elas querem é ser remuneradas por isso", diz Pena. João Marcelo Bôscoli, presidente da Trama, está apostando numa estratégia interessante. Criou um sistema chamado de download remunerado, por meio do qual a banda ganha uma quantia fixa cada vez que sua música é baixada, de forma gratuita, pelo internauta. Quem paga a conta? Patrocinadores, como acontece com a tevê aberta. "Pegamos a verba publicitária e dividimos pelo número de downloads de uma banda", diz Bôscoli, que já atraiu mais de 4,5 mil artistas para o seu catálogo. A campeã de vendas é a banda emo Dance of Days, que preferiu o caminho do digital em vez de ficar esperando que um diretor artístico de uma grande gravadora a descobrisse. Hoje, o que acontece é o oposto: a banda disponibiliza suas músicas de forma gratuita na internet e, se virar um fenômeno na web, acaba indo para um selo tradicional – e isso enquanto ainda existirem selos tradicionais.

Foi o que aconteceu com os ingleses do Arctic Monkeys e, no caso brasileibrasileiro, com o grupo Cansei de Ser Sexy. Não deixa de ser parecida a estratégia usada pelo Radiohead no lançamento de In rainbows, que chega às lojas brasileiras nesta semana juntamente com uma caixa que traz toda a discografia da banda. Com a vantagem de ser bem conhecido, o grupo usou o poder de fogo da internet para depois reavivar um filão dado como morto, o dos CDs convencionais. Tom Yorke, o líder da banda, diz que o lançamento do álbum em CD nunca foi descartado. "Não gostamos verdadeiramente da idéia de trabalhar duro sobre um disco e ver as pessoas que amam nossa música não dispor de um exemplar, como os nossos outros seis álbuns", disse ele à revista francesa Les Inrockuptibles. Trata-se, claro, de uma visão nostálgica, bem adequada ao temperamento choramingão de Yorke. A revolução já aconteceu. "É um caminho sem volta", diz John Ulhoa, do Pato Fu, que lançou o álbum Daqui pro futuro pela internet. "Cada um está testando uma fórmula e a que der certo vai servir de modelo."

Segundo a empresa Big- Champagne, 1,1 bilhão de músicas são compartilhadas por mês no mundo. Nesse cenário, a tendência do CD é virar uma mídia em desuso, como aconteceu com a fita de vídeo. Sem falar que é altamente poluente. A prova mais recente disso é que a gravadora Sony BMG decidiu seguir as outras três grandes majors (Universal, Warner e EMI) e abolir de seus CDs o DRM (Digital Right Manegement, dispositivo que impede as faixas de serem baixadas em qualquer aparelho). Além disso, criou nos EUA o Platinum MusicPass, um cartão com senha que acessa downloads de uma loja virtual. Outra estratégia das gravadoras, de olho nos consumidores que não se acostumam com a idéia de não ter algo concreto nas mãos, é vender o álbum em formato USB (tipo pendrive). A discografia completa do Radiohead na antiga gravadora EMI, por exemplo, já pode ser comprada dentro da cara do ursinho-símbolo da banda.

A grandes gravadoras aderem ao sistema

  • 2002 A Associação Americana da Indústria Fonográfica fecha o sistema de troca de músicas Napster
  • 2004 Surge o DRM (Digital Rights Management), trava digital que impede replicação do CD em MP3
  • 2007 Americana é condenada pela Justiça a pagar US$ 200 mil por downloads de música
  • 2008 Sony se junta à Universal, Warner e EMI e abole o DRM. Também cria o Platinum MusicPass, que permite a compra de músicas pela internet