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INTEGRAÇÃO Muçulmana anda por rua de Londres.
População islâmica da Europa é estimada em 20 milhões

Sob a alegação de ameaça aos princípios laicos do Estado, a Corte Constitucional da Turquia vetou recentemente uma emenda, aprovada pelo Parlamento em fevereiro, que permitia o uso do véu islâmico por alunas muçulmanas nas universidades. A medida causou alvoroço popular e ameaça lançar o país em uma grave crise institucional: no início do mês, centenas de mulheres foram às ruas protestar contra a decisão. Com seu território dividido entre a Ásia e a Europa, a Turquia se apresenta ao mundo como um elo entre o Oriente e Ocidente e aspira a ser o primeiro membro islâmico da União Européia. Vistos por esse prisma, os acontecimentos ganham significado emblemático e reforçam a pergunta que assola estudiosos da questão mediante o crescimento da religião no velho continente: seria a fé no Islã compatível com o secularismo europeu?

"Claro que sim. É nossa responsabilidade disseminar um melhor entendimento da religião e, ao mesmo tempo, desenvolver um senso de pertencer ao país em que nascemos. Precisamos construir essas pontes", opina Tariq Ramadan, 45 anos, professor de teologia, filosofia e literatura francesa em Genebra, na Suíça, e um dos maiores defensores de um Euro-Islã. A expressão, cunhada no início dos anos 90 pelo reformista islâmico alemão Bassam Tibi, contém a idéia de uma maior integração sociocultural dos muçulmanos nascidos na Europa ao ambiente em que vivem – estima-se que existam hoje 20 milhões deles no continente, sem contar os turcos. Para Ramadan, democracia, liberdade de expressão, direitos humanos e tolerância religiosa podem e devem ser assimilados pelos fiéis, sem que os princípios islâmicos sejam traídos.

A fala serena e hábil do teólogo tem seduzido especialmente os muçulmanos jovens e de classe média. Os audiocassetes que ele produz com suas mensagens chegam a vender 50 mil unidades na França. Parte da mídia e dos intelectuais de esquerda do Ocidente também se renderam a sua proproposta de reforma do Islã. A revista americana Time o colocou entre os 100 mais importantes pensadores do mundo para o século XXI. Curiosamente, Ramadan descende de uma linhagem de ativistas islâmicos egípcios de postura mais radical que a dele. O avô materno, Hassan Al Banna, fundou em 1928 a Irmandade Muçulmana, organização influente no mundo árabe que prega uma valorização dos ideais islâmicos ante uma suposta decadência ocidental. O pai, Said, se exilou na Suíça, onde nasceu o teólogo, após a irmandade passar a ser perseguida pelas autoridades do Egito na década de 50. Seu primeiro nome é uma homenagem a Tariq bin Ziyad, comandante do exército muçulmano que conquistou a Espanha em 711.


REFORMISTA Ramadan, um dos principais pensadores do Euro-Islã

Pai de quatro filhos e casado com uma franco-suíça convertida ao islamismo, Ramadan defende o fim dos matrimônios arranjados e o direito da mulher de ser independente. "Homens e mulheres deveriam unir esforços para alcançar essa igualdade. Elas devem estudar, trabalhar e ser autônomas", diz. "Por séculos, os sábios do Islã falaram delas a partir de suas funções como esposas, mães e filhas." Posições como estas fazem com que o nome de Ramadan fique longe de ser uma unanimidade entre os próprios muçulmanos. Enquanto seus críticos ocidentais o classificam como um sujeito de discurso duplo – moderado quando interessa e radical perante as massas muçulmanas -, islâmicos tradicionalistas e radicais o acusam de ser um infiel e traidor da religião. "Sempre digo que sou muito muçulmano para os ocidentais e muito ocidental para os muçulmanos", afirma. "Mas se você quer construir pontes deve esperar críticas dos dois lados a serem ligados."