Os adversários eram os franceses. O Brasil, pentacampeão, queria o hexa. Na decisão da Liga Mundial de Vôlei masculino, no Ginásio Luzhniki, em Moscou, na Rússia, era impossível driblar as coincidências e não ter em mente o jogo fatídico entre Brasil e França por um outro Mundial, o de futebol, na Alemanha. Mas, felizmente, as semelhanças acabaram neste ponto. Ao contrário da equipe de Carlos Alberto Parreira, derrotada por 1 a 0 e eliminada pela França com um futebol medíocre e uma passividade constrangedora, os comandados de Bernardo Rocha de Resende, o Bernardinho, foram campeões mais uma vez. Melhor: hexacampeões (1993, 2001, 2003, 2004, 2005 e 2006), a marca sonhada e não conquistada nos gramados. Numa partida dramática, de 1h54m, a equipe virou o placar de 2 a 0 para 3 a 2 (22/25, 23/25, 25/22, 25/23 e 15/13). O verdadeiro time dos sonhos brasileiro joga com as mãos e não com os pés.

Nos últimos cinco anos e meio, o vôlei masculino, na era Bernardinho, conquistou 17 títulos internacionais, entre eles a medalha de ouro nas Olimpíadas de 2004. Até agora foram 191 partidas e uma marca impressionante: 172 vitórias e apenas 19 derrotas. Um grupo que perde menos de dez por cento das partidas disputadas. Analisar essa performance brilhante e a participação na Liga é didático. Basta enumerar as virtudes dessa seleção e pronto: aí está tudo o que Parreira e seus craques deveriam ter feito e não fizeram. A começar pela relação com os atletas. Perfeccionista e extremamente rigoroso, Bernardinho, quando é preciso, chama a atenção das estrelas e dos estreantes com a mesma energia. O atacante Giba é um exemplo. Jovem, bonito, bem pago, atleta de clube europeu, ele é o maior jogador de vôlei do mundo na atualidade. Um pop star, badalado com aplausos e gritos de fãs em todos os ginásios em que joga. Tudo isso não evitou, porém, que ele fosse repreendido com firmeza pelo técnico em várias ocasiões na competição.

A relação de Giba e de outros craques com os colegas evidencia outra faceta do talento de Bernardinho que Parreira não conseguiu mostrar: a capacidade de fazer todos entenderem que a força principal de um grupo vem sempre do coletivo. Ao receber a medalha de melhor jogador da Liga, Giba virou-se para o presidente da Federação Internacional, Ruben Acosta, e disse, apontando para o restante da equipe: “Quem faz a diferença são eles e não eu.” Falou baixo, com a cabeça próxima ao dirigente. Queria evitar que a declaração fosse captada e eventualmente analisada como marketing pessoal, mas um microfone aberto estragou os planos. Horas depois, questionado sobre sua dedicação, respondeu firme: “Não há a menor chance de ser diferente. Jogo vôlei, esporte coletivo, e não tênis.”

Outra estrela, o levantador Ricardinho, o melhor do momento em sua posição, tem comportamento parecido. Quando é substituído, fica de pé em frente ao banco aplaudindo as jogadas e ajudando o técnico a orientar e a dar confiança ao seu reserva. São posturas bem diferentes da assumida pelo lateral esquerdo Roberto Carlos, que se abaixou para ajeitar a meia enquanto Henry corria para fazer o gol francês e, dias antes, se deitou em frente ao banco, com uma clara expressão de desinteresse, enquanto o reserva Gilberto Silva enfrentava o Japão na Copa. Parecia pensar: “Isso aí não vale nada; o importante será o próximo jogo, em que eu serei escalado.” Ou pelo lateral Cafu, que se escalou numa entrevista coletiva, durante a Copa, com o argumento de que tinha um recorde de jogos a quebrar. Detalhe: segundos antes, Parreira, ao seu lado, disse que não tinha definido o time para o próximo jogo.

Bernardinho, ao contrário, não admite escalar jogador fora de forma nem tem medo de substituir estrelas. No domingo, iniciou a virada com metade da equipe titular no banco. Por essas e outras, o atacante Ronaldo – escalado na Copa com dez quilos e meio acima do peso – admitiu na terça-feira 29 que muito do fracasso canarinho na Alemanha se deveu a “fatores comportamentais”. E, a despeito da falta de conhecimento do trabalho nos gramados, Bernardinho fica em segundo lugar em todas as pesquisas para escolher o técnico ideal para a seleção de futebol, atrás apenas de Felipão. Fácil explicar: o torcedor sabe que Bernardinho e seu grupo trabalham duro em busca da perfeição, formam uma equipe que merece ser chamada como tal e não ajeitam a meia na hora decisiva de defender o patrimônio.