A história da austríaca Natascha Kampusch, 18 anos, ainda estarrece o mundo. Seqüestrada e mantida prisioneira num recinto sem janelas nos últimos oito anos, a garota está consciente do poderoso impacto que sua experiência provoca nas pessoas. Mas decidiu descansar de tanta atenção. Numa carta, comunicou que manterá contato com sua família apenas por telefone e decidirá o momento de falar. Pretende ficar em silêncio por algum tempo. Mas isso não bastou para diminuir a busca pelo diário que ela escreveu enquanto esteve cativa. Seriam centenas de páginas, de acordo com o porta-voz da família, Rupert Leutgeb. O diário de Natascha traria detalhes da vida no cativeiro, um lugar construído pelo técnico em telecomunicações Wolfgang Priklopil, sob a garagem de uma casa localizada na cidade de Strasshof, a 25 quilômetros de Viena. Priklopil se suicidou no mesmo dia em que ela escapou do porão. Por tudo isso, o relato é objeto de interesse de revistas e editoras. Publicamente, ninguém se manifesta a esse respeito, mas altas propostas começaram a pipocar apenas pelo direito de entrevistar a moça. Segundo a imprensa austríaca, veículos estrangeiros ofereceram 50 mil euros (R$ 140 mil) apenas pelo direito de ter uma exclusiva com Natascha. Um jornal austríaco teria ofertado 200 mil euros (R$ 560 mil), mas a diretoria negou os boatos. Quanto ao diário, é difícil estabelecer valores. O que seria o diário de Hitler, por exemplo, foi comprado por US$ 2,3 milhões (R$ 5,06 milhões). Era uma fraude. Com diário divulgado ou não, aos poucos a história de Natascha é remontada. Na semana passada, a garota trouxe à tona novas informações a respeito de sua experiência. Ao divulgar a carta em que comunica seu recolhimento, Natascha descreveu um pouco de seu cotidiano. “Minha juventude foi diferente da de muitos outros, mas em princípio não tenho a sensação de que tenha me faltado nada. Fui poupada de uma série de coisas. Não comecei a fumar nem a beber e não tive maus amigos”, ressaltou no manuscrito. O documento foi lido pelo psiquiatra Friedrich Max, um dos profissionais encarregados da jovem. Na carta, Natascha diz ainda que seu seqüestrador organizou tudo sozinho. De acordo com a polícia austríaca, ele havia planejado o recinto meses antes de raptar a menina. Ela não permaneceu o tempo todo no cativeiro. Quando o lugar ficou finalmente pronto, os dois mobiliaram juntos o quarto em que a garota ficou, “que media mais de 1,60 m de altura”, escreveu, numa referência à sua estatura atual. A jovem destacou o interesse que as pessoas têm por “questões íntimas”. Ela é firme quanto a esse ponto. “Todos querem sempre fazer perguntas íntimas, que não dizem respeito a ninguém. Talvez alguma vez as revele a um terapeuta.” Há fortes suspeitas de que Priklopil tenha mantido relações sexuais com sua prisioneira. Sabe-se agora também que Natascha e Priklopil fizeram uma visita a um amigo. Ernst Holzapfel recebeu os dois em sua casa em meados de julho. A jovem foi apresentada somente como uma amiga. Segundo ele, a moça foi educada e até sorriu. Holzapfel se encontrou de novo com Priklopil no dia em que Natascha escapou – a garota estava limpando o carro do seqüestrador e aproveitou o momento em que ele se afastou para atender o celular. Os dois homens se reuniram de noite e o técnico disse que tinha fugido de uma barreira policial porque estava bêbado. Horas depois, Priklopil jogou-se em frente a um trem, acabando com sua vida. O suicídio do seqüestrador, 44 anos, comoveu Natascha, um sinal de que ela desenvolveu a chamada Síndrome de Estocolmo, condição psicológica que leva um refém ou uma vítima de seqüestro a nutrir simpatia ou amor pelo criminoso. Na carta, ela escreveu que a morte do técnico não era necessária. “Ele foi uma grande parte da minha vida. Por isso, de certa forma, estou de luto.” E manifestou-se solidária à dor da mãe de Wolfang, como se referia ao homem que a manteve presa por tanto tempo. “Nós duas pensamos nele.”