Um fenômeno vem se consolidando no Brasil nesses tempos de maleabilidade ética. A personificação da política, a sagração de um personagem que se projeta como “salvador da pátria”, capaz de arrancar o País da lama de escândalos que marca a cena política, é o nome desse fenômeno. O lulismo, em todo o seu vigor, está registrado nas pesquisas mais recentes e ganha força para além de disputas partidárias ou rinhas de candidatos. Não interessa o programa de governo ou os desvios morais que macularam o seu PT. Lula está seguindo em frente. É, na mística popular, o homem do povo, aquele que veio de baixo e chegou lá, o herói atingido pelos poderosos com acusações falsas porque querem tirá-lo do lugar. Como o eleitor assiste hoje, mais do que nunca, a uma contaminação quase geral dos costumes políticos, Lula se sobressai. Na condição de herói, está mais para um Macunaíma dos novos tempos, embora seja visto como um igual. Tem boas armas para convencer. Coloca, por exemplo, 11 milhões de famílias, ou quase 50 milhões de pessoas, no programa assistencialista do Bolsa-Família. Qualquer eleitor das camadas mais carentes vai apontar um velho estigma: ele é injustiçado porque, reza a tradição, “o pobre é injustiçado, sempre chamado de ladrão”. No slogan de campanha, o candidato acerta em cheio com a pregação: “O presidente é povo, o povo é presidente.” E assim, na adversidade dos escândalos, surge e se cristaliza o lulismo. O movimento ganha proporções em escala a cada nova pesquisa. Muitos já apontam sinais de semelhança com o peronismo que marcou a Argentina do passado e o chavismo praticado na Venezuela – muito embora tais cultos personalistas tenham ocorrido por razões e circunstâncias distintas. A ameaça que se apresenta na idéia de um salvador da pátria é a tentação autoritária, o risco de um novo governo flertar com o radicalismo.