Identificar quando o uso delas está se tornando excessivo ou até mesmo viciante é essencial para garantir a saúde e a segurança das crianças e adolescentes online. A preocupação não é exagerada, afinal, a proporção de crianças e adolescentes que usam a internet aumentou em todas as faixas na última década – como destacou uma pesquisa recente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), com base nas pesquisas TIC Domicílios e TIC Kids Online Brasil referentes ao período entre 2015 e 2024.
Os resultados mostram que na faixa etária de 0 a 2 anos, a presença de crianças conectadas à internet cresceu de 9% para 44%, enquanto entre as crianças de 3 a 5 anos, a proporção passou de 26% para 71% no mesmo intervalo. Já no grupo de 6 a 8 anos, o percentual de usuários dobrou, avançando de 41% para 82% em dez anos.
A exposição a telas em excesso é prejudicial ao desenvolvimento das crianças e adolescentes e pode intensificar problemas psicológicos, questões comprovadas por inúmeros estudos científicos ao longo dos últimos anos. Uma meta-análise global recente que incluiu cerca de 293 mil crianças (abaixo de 10 anos), por exemplo, encontrou uma relação bidirecional: o uso excessivo de telas pode levar a problemas emocionais e comportamentais. Realizado pela Universidade de Queensland, na Austrália, o estudo mostrou ainda que crianças com esses problemas tendem a usar mais telas, especialmente jogos digitais, criando um círculo vicioso.
Para explicar quais são os principais sinais da dependência em telas e como agir, IstoÉ conversou com o pediatra Eduardo Custódio, professor do departamento de pediatria da UERJ e membro do Grupo de Trabalho Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), e com o psicólogo Rodrigo Nejm, especialista em educação digital do Instituto Alana, ONG com foco na proteção dos direitos das crianças.
A criança quer estar sempre conectada
“Um sinal clássico é a ansiedade e a necessidade de ficar sempre conectado”, afirma Eduardo Custódio, da SBP. Uma complicação que pode se manifestar de diversas maneiras, como:
a criança fica irritada quando a bateria de um aparelho acaba;
ela tem necessidade de se conectar ao Wi-fi em qualquer lugar;
ela não quer deixar o aparelho em casa quando sai ou prefere nem sair para ficar entretida com algum tipo de tela.
A criança apresenta problemas de desempenho escolar
Outro grande sinal de alerta para os pais e educadores é quando o uso de telas começa a interferir de forma negativa no desempenho escolar de uma criança ou adolescente.
“É possível notar consequências severas na capacidade da criança acordar disposta para estudar, assim como mostrar concentração e disponibilidade para participar das atividades da escola”, pontua o psicólogo Rodrigo Nejm. O que, eventualmente, também pode influenciar as notas no boletim.
Uma das causas dessa interferência na vida escolar está diretamente ligada ao uso de telas durante a noite ou de madrugada, que acaba prejudicando o sono e, por consequência, o ânimo no dia seguinte.
A criança só quer saber de celular e tablet nas horas vagas
A perda de interesse repentina por atividades fora do celular, como praticar esportes ou extracurriculares, também são pontos de atenção para os responsáveis.
“Isso acontece porque as redes e as telas são super estimulantes e geram uma recompensa imediata no cérebro. O que, com o tempo, condiciona o cérebro da criança a esses estímulos e faz a criança achar chato tudo que não tem esses mesmos incentivos. Então, ela começa a abandonar atividades e a querer só ficar o tempo livre dela diante das telas”, explica Rodrigo Nejm, do Instituto Alana.
A criança prefere interagir com amigos de maneira virtual
O mesmo acontece com a falta de interesse em brincar com crianças e adolescentes fora das redes, exemplifica o especialista em educação digital Rodrigo Nejm. “Isso ocorre porque não há a condição de controlar a brincadeira ou interromper a conversa, como é possível fazer no (mundo) digital. Assim, a criança vai sendo desestimulada a desenvolver habilidades sociais e emocionais”, diz.
A criança apresenta mudanças de comportamento
Mudanças de humor e de comportamento também são afetados com o uso de telas e podem se manifestar pela irritabilidade, desatenção, ansiedade, problemas de memória e falta de controle dos impulsos. Segundo o pediatra Eduardo Custódio, da Sociedade Brasileira de Pediatria, o motivo está no desenvolvimento cerebral ainda incompleto de crianças e adolescentes. “O uso de telas prejudica a formação do córtex pré-frontal (responsável pela regulação emocional). Isso pode fazer com que eles apresentem comportamentos sem filtro racional”, explica.
É preciso ficar atento ainda se as crianças e adolescentes começarem a mudar a forma de se vestir, de usar o cabelo ou de falar. “Em casos mais graves, você vê eles perdendo o sotaque ou incorporando gírias de outra região, querendo fazer cirurgias plásticas para se parecer com suas imagens com filtro e até mudando hábitos alimentares. Existem muitas evidências que as redes digitais intensificam ou antecipam transtornos graves”, alerta o psicólogo do Instituto Alana.
O que fazer diante dos sinais de vício em telas?
Uma vez que os sinais foram identificados, a recomendação dos especialistas ouvidos pela IstoÉ é quebrar o ciclo com regras para o acesso ao celular, televisão, jogos e outros aparelhos. Tais como:
limitar o uso dos dispositivos com ferramentas e aplicativos específicos
estabelecer limites físicos, como não usar telas nas refeições ou retirar o celular do quarto na hora de dormir.
oferecer alternativas além do mundo digital: ler, brincar, ir ao cinema, praticar esportes e outras atividades extracurriculares.
Os dispositivos não devem ser retirados completamente de um dia para o outro, no entanto, como alerta Eduardo Custódio, da SBP. “A dependência em telas se comporta como qualquer outra, como o vício em álcool ou substâncias. Então, retirar de forma abrupta pode causar abstinência”, explica.
Vale também observar os costumes da família como um todo. “Os adultos são modelos desses hábitos digitais e as crianças e adolescentes se espelham nisso. Então, às vezes, é preciso uma reestruturação dos hábitos em escala familiar”, completa Custódio. Por fim, os especialistas lembram que a mudança deve ser reforçada constantemente e se tornar um hábito, com a intermediação de um profissional de saúde, se necessário.
Quantas horas seu filho pode usar o celular por dia?
O uso das telas deve ser evitado até os 2 anos, como orienta a Sociedade Brasileira de Pediatria, no manual “Menos telas, mais saúde”. A partir daí, a recomendação é de no máximo:
1 hora por dia para crianças entre 2 e 5 anos, sempre com supervisão de pais e responsáveis;
2 horas por dia para crianças entre 6 e 10 anos, sempre com supervisão de responsáveis;
Para adolescentes com idades entre 11 e 18 anos, 2 a 3 horas por dia, e nunca deixar “virar a noite” conectado à internet.