Pela primeira vez, a obesidade superou a desnutrição globalmente entre crianças e adolescentes em idade escolar, alerta o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em relatório divulgado em setembro deste ano. Segundo o levantamento, 1 a cada 10 crianças e adolescentes são afetadas pela obesidade. O relatório mostrou que a prevalência de desnutrição entre crianças de 5 a 19 anos caiu desde 2000, de cerca de 13% para 9,2%, enquanto as taxas de obesidade aumentaram de 3% para 9,4% globalmente.
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No Brasil, esse já é o cenário há mais de duas décadas. Nos anos 2000, o percentual de crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos de idade com obesidade era de 5%. Em 2022, esse número atingiu o patamar de 15%. Em contrapartida, a porcentagem de meninos e meninas com desnutrição diminuiu de 4% para 3% no mesmo período, conforme dados da Agência Brasil.
A obesidade é uma doença crônica multifatorial, que pode estar relacionada a questões genéticas, ambientais e comportamentais. Prevenir e tratar a obesidade infantil pode ser a chave para evitar que as crianças desenvolvam outras doenças ao longo da vida, como resistência à insulina, pressão alta, puberdade precoce, diabetes tipo 2 e condições cardiovasculares. IstoÉ conversou com especialistas em nutrição e endocrinologia para trazer dicas para combater a obesidade infantil.
Evite alimentos ultraprocessados
Segundo o relatório do Unicef, o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados – ricos em sal, açúcar, gorduras e aditivos – é uma das principais causas do aumento da obesidade infantil globalmente.
Esse fenômeno também é observado aqui no Brasil, como afirma o endocrinologista Sonir Roberto Antonini, subcoordenador do departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM): “o aumento da obesidade infantil está absolutamente associado à mudança da alimentação tradicional para uma alimentação industrializada e hiper processada”.
O último Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), publicado em 2021, mostrou que 80% das crianças brasileiras de até cinco anos costumam consumir alimentos ultraprocessados, como biscoitos, farinhas, refrigerantes e bebidas açucaradas.
Ao invés de ultraprocessados, a base da alimentação oferecida às crianças deve ser comida caseira, in natura ou minimamente processada.
Faça refeições longe das telas
A refeição também deve ser feita sem distrações. “Quando se come à mesa, você come mais devagar, presta mais atenção na comida e mastiga mais vezes”, explica a nutricionista Mônica Beyruti, membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). Isso porque comer em frente às telas atrapalha a percepção de saciedade, fazendo com que as crianças comam mais do que precisam para se nutrir.
Outra dica é priorizar as refeições em família sempre que possível. Diversas pesquisas comprovam que o hábito está associado a uma alimentação de maior qualidade entre crianças e adolescentes. Nesse cenário, incentivar as crianças a cozinhar com os adultos também é um fator positivo, uma vez que serve de estímulo para que elas provem os alimentos que elas mesmas prepararam.
Incentive o exercício físico
Uma vida ativa fisicamente é outro pilar essencial no combate à obesidade infantil. As atividades físicas ajudam a criar o déficit energético necessário para a perda de peso, melhoram a qualidade do sono e promovem a socialização e o desenvolvimento de habilidades motoras – importante para crianças em idade escolar.
No âmbito familiar, a prática de atividades físicas também deve ser incentivada, como revelou um estudo da Unesp, pioneiro em mostrar uma relação direta entre os níveis de sedentarismo dos adultos e dos filhos.
“O exemplo dos pais de se exercitar com os filhos é muito importante, como andar a pé, de bicicleta ou jogar bola juntos. Se uma criança vê os pais fazendo exercícios e se alimentando bem, provavelmente essa criança vai seguir o exemplo mais facilmente”, sugere a nutricionista Mônica Beyruti. Assim, a criança vai enxergar a atividade física como um momento de lazer e confraternização, e não como uma obrigação.
Priorize o equilíbrio
Sim, a principal forma de combater a obesidade infantil é fornecer uma alimentação saudável, com todos os grupos alimentares: energéticos (carboidratos e gorduras), construtores (proteínas) e reguladores (vitaminas, minerais e fibras). “Os pais precisam ensinar a criança a comer frutas, proteínas, nutrientes, fibras, legumes e tomar água. O mais importante, porém, é entender que o equilíbrio é um ensinamento para a vida toda”, ensina a nutricionista Mônica Beyruti, da Abeso.
A nutricionista alerta ainda que, conforme mostram diferentes estatísticas, as crianças obesas ou com sobrepeso têm mais chances de continuar dessa maneira na vida adulta, por isso é importante ficar atento à alimentação e ao peso desde cedo.
Lute pelos direitos das crianças
Por mais saudáveis que os pais sejam, há certos fatores que fogem do controle familiar e são de responsabilidade coletiva. Um deles está relacionado ao incentivo da prática de atividades físicas, como alerta o endocrinologista da SBEM, Sonir Antonini: “nós não temos espaços públicos seguros para a realização de atividades físicas, como parques e praças, especialmente em bairros mais periféricos ou com perfil socioeconômico mais baixo”. Para Antonini, as aulas de educação física na escola também deveriam ser mais frequentes, com uma hora de exercícios físicos moderados ou intensos, pelo menos cinco vezes por semana.
Outra questão está relacionada à regulação dos alimentos ultraprocessados. Um recente estudo feito no Reino Unido mostrou como o acesso a anúncios influenciam diretamente a dieta: cinco minutos de exposição a propagandas de alimentos ultraprocessados foram suficientes para que crianças e adolescentes consumissem, em média, 130 calorias a mais ao longo do dia.
Alguns avanços já foram feitos nos últimos anos. Como a limitação da compra de ultraprocessados com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), banindo bebidas açucaradas e outros produtos dos cardápios da rede pública. Outra medida de regulamentação foi a nova composição da cesta básica, com redução da oferta de alimentos ultraprocessados em 2024. Apesar dos exemplos positivos, Antonini argumenta que algumas lacunas persistem. “No Brasil, já existem leis que regulamentam os ultraprocessados, mas as políticas precisam ser ampliadas”, pontua o endocrinologista.