O interesse sobre as pistas das obras tem crescido ao longo dos últimos anos e tiveram um pico recentemente com o quadro Vincent Van Gogh, um dos artistas mais importantes e populares do mundo. Agora em julho, tivemos um momento incrivelmente raro, pois um autorretrato de Van Gogh foi descoberto escondido sob outra pintura. Segundo a National Galleries of Scotland, o autorretrato foi encontrado no verso da obra “Cabeça de uma Camponesa” quando especialistas da galeria de Edimburgo tiraram um raio-X da tela antes de uma exposição. O retrato, que é um de seus primeiros trabalhos, mostra uma babá barbuda com um chapéu de aba. Acredita-se que a obra esteja escondida há mais de um século, coberta por camadas de cola e papelão quando foi emoldurada no início do século XX. Van Gogh era conhecido por virar telas e pintar do outro lado para economizar dinheiro.

Embora nem todas as pinturas possuam algo secreto ou oculto, muito pode ser aprendido examinando telas, etiquetas, números de identificação, inscrições, rótulos e materiais. Em 2018, por exemplo, a Galeria Uffizi (Florença, Itália) transferiu dois retratos de Rafael de Agnolo Doni e de sua esposa Maddalena Strozzi para uma ala diferente do museu. Ao invés de serem penduradas na parede, as pinturas foram exibidas em uma caixa de vidro de pé. Isso permitiu aos visitantes uma nova chance de examinar o verso dos painéis, nos quais estão pintados um díptico cor de sépia por um artista da oficina de Rafael, o Mestre de Serumido.

A coluna de hoje está repleta de dicas para esclarecer dúvidas de leitores sobre o processo seguro de compra de obras de arte e sobre a identificação de eventuais falsificações:

1- Olhe o verso da pintura – Obviamente, a frente da pintura é o mais importante, mas não se engane. O verso de uma pintura pode, sim, revelar segredos. Em algumas ocasiões, o verso de uma pintura ganha destaque por ter outra imagem ou uma nota manuscrita pelo artista. Vale lembrar que diversos artistas não tinham dinheiro para comprar insumos e muitas vezes reutilizavam telas. Portanto, verifique todos os dados relacionados à obra (autor, ano, nome, assinatura, certificado de origem devidamente assinado, estado da obra, etc). Além de verificar essas informações para comprovar a procedência, é recomendável ver o verso da obra, uma vez que os detalhes encontrados podem aumentar significativamente o valor de uma pintura. Importante dizer apenas no século XV as pinturas passaram a ser assinadas na frente e muitos artistas mantém o hábito de escrever na parte de trás da tela mais detalhes sobre a obra. Muitas obras perdem valor por causa da assinatura e especialistas costumam acompanhar de perto as características de cada artista em relação a isso. Então, fique de olho também no verso.

2- Identifique materiais – Os materiais podem restringir a origem de uma pintura. Como se sabe, os artistas começaram a mudar dos painéis de madeira para telas somente nos séculos XV e XVI. A pintura em chapas de cobre também se tornou moda no século XVII. Os papeis e outras mídias entraram em cena mais recentemente, complementando um leque de diferentes materiais e com qualidades diversas. Comparar a data em que os materiais foram adquiridos com a data em que o artista assinou o trabalho finalizado pode até dar uma ideia de quanto tempo levou para ser concluído, além de indicar se uma obra pode ser falsificada. Os tipos de materiais usados ​​para criar a tábua, berço ou maca de uma obra, assim como a forma como foi construída, também variam ao longo do tempo. Na Itália, por exemplo existia um tipo de madeira, mais macia, enquanto na Grã-Bretanha e na Holanda eram mais duras. A forma como as telas são fixadas deixa outra importante dica sobre a idade da obra. Nenhuma pintura antes de 1940 era fixada com grampos, pois na época usava-se apenas pregos.

3- Procure por etiquetas – Indicam a proveniência e histórico da pintura, inclusive os locais de exposição. Isso mesmo, muitos museus e galerias colavam no verso um selo para indicar que a obra foi exposta por eles. O mesmo procedimento também era adotado por alfândegas, que colavam um selo a exemplo dos carimbos que recebemos em nossos passaportes quando viajamos. Graças a controles de fronteiras que muitas obras confiscadas por nazistas puderam retornar aos seus verdadeiros donos após a Segunda Guerra Mundial. Com o advento da Internet ficou muito mais fácil pesquisar as exposições, mas pinturas mais antigas precisam dos selos para garantir a autenticidade. Há anos, museus ao redor do mundo trabalham na digitalização de seus acervos para conseguir transformar em arquivo digital todos os seus catálogos de exposições, comunicados e listas de doadores.

4- Note os registros pessoais – Poucos sabem, mas importantes colecionadores adquiriram o hábito de identificar os itens que integravam suas coleções. Procurar inscrições em obras pode ser um importante aliado para identificação de origem. Esse hábito começou nos tempos da realeza. O acervo que era do rei Carlos I da Inglaterra (1600-1649), por exemplo, tinha as iniciais ‘CR’ no verso de todas as obras. Tampar etiquetas na hora de enquadrar uma obra pode ser perigoso, pois reduz o preço de mercado da arte. Se você decidir adicionar um suporte na parte de trás de uma pintura, seria bom deixar um espaço aberto para mostrar as etiquetas do verso, de forma visível.

5- Observe se há números de inventário – Se uma obra de arte é antiga, certamente ela deve ter número de inventário. Desde o início do século XIX, por exemplo, a casa de leilões Christie’s marca o verso de todas as obras com um número de inventário, impressos em tinta preta. O controle é feito há 254 anos. Se for mais recente, deve ter algo que a identifique ou até mesmo um adesivo com código de barras. O processo de catalogação de obras ajuda no controle do inventário e, também, na verificação da procedência das obras. Em 2013, a Christie’s vendeu um retrato de Rembrandt (1606-1669) que tinha ‘272ER’ estampado nas costas. Isso nos apontou para um leilão de 1928 de uma coleção pertencente a Sir George Lindsay Holford. A partir daí, foi traçada uma trajetória da obra e de todos os donos que ela teve ao longo dos últimos anos.

6- Fique de olho nas colas e retoques – Se encontrar uma a pintura revestida, fique atento, pois ela deve ter sido reparada.  Se a parte de trás da tela tiver vestígios de cola nas bordas ou parecer que tem uma camada grossa e nova de tinta, a pintura pode modificada para reparar furos e rasgos. As pinturas em tela geralmente são montadas em uma estrutura de suporte de madeira chamada ‘maca’. Importante ver se o madeiramento é original ou se foi trocado ao longo dos anos. Não há problema em substituir, mas é recomendável entender por que essa mudança foi feita. Existem também diferenças entre macas americanas e europeias que permitem aos especialistas determinar a origem dos materiais.

7- Má conservação – Madeiras empenadas podem ser uma indicação de que foram penduradas em locais úmidos, como um banheiro. Além disso, rachaduras no trabalho podem indicar que ele esteve em ambiente quente e seco, como acima de uma lareira ou forno. Para verificar o estado da obra, olhe também o verso da pintura, que pode indicar problemas de conservação e até restaurações. Por exemplo, se o verso da tela apresentar vestígios de cola nas bordas ou se a tela for grossa e nova, é provável que a pintura tenha sido forrada. Esta técnica, também conhecida como “revestimento”, é um método de fixação de uma camada extra de tela na superfície original para reparar danos, preservando assim a pintura e melhorando sua condição. Para ver se uma pintura foi restaurada, também podemos olhar no verso para ver se há uma área descolorida ou com uma textura diferente do resto. Em geral, uma restauração extensa ou forro pode ter um impacto negativo no valor de uma pintura.

Para quem desejar ter uma experiência especial de ver a frente e o verso de pinturas, recomendo a visita ao MASP (Museu de Arte de São Paulo (MASP). Lá, os emblemáticos cavaletes de vidro, projetados por Lina Bo Bardi, permitem uma sensação única. O MASP possui um acervo de mais de 10 mil itens, incluindo pinturas de importantes artistas como Van Gogh, Monet, Manet, Bosch, Cézanne e Picasso. A obra ‘Campo e Contracampo’ de Dora Longo Bahia, por exemplo, tem uma pintura na frente e outra atrás. Se desejar saber mais sobre um artista ou se tiver uma boa história sobre o universo da arte para compartilhar, aguardo sua mensagem pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.