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RISCO Comum na pele, a bactéria tem versões agressivas. Suspeita-se que sua proteína tenha sofrido novas mudanças

Uma das grandes preocupações da comunidade científica mundial é o surgimento de microorganismos mais agressivos e resistentes aos antibióticos disponíveis. Na semana passada, esse temor ficou ainda mais forte por causa de uma importante mudança no comportamento de uma bactéria já conhecida e perigosa, o Staphylococcus Aureus multirresistente. Desde a década de 80, ele se tornou imune às drogas convencionais. Pesquisadores da Universidade da Califórnia e de outros centros, nos Estados Unidos, descobriram que uma nova linhagem dessa bactéria está se espalhando de maneira muito mais rápida entre a comunidade gay do bairro Castro, em São Francisco, do que entre a população em geral. Enquanto no grupo gay a bactéria atingiu uma a cada 588 pessoas, a média de infecção na cidade é de uma a cada 3.800 pessoas. Ou seja, as chances de os homossexuais desse distrito contraírem o microorganismo revelaram-se 13 vezes maiores do que os riscos dos heterossexuais. Os cientistas chegaram a essa conclusão depois de avaliar casos registrados entre 2004 e 2006 em hospitais de São Francisco e de Boston, além de quatro mil amostras do microorganismo para saber mais sobre a sua incidência em grupos específicos.

A divulgação do estudo, publicado na revista científica “Annals of Internal Medicine”, caracterizou a existência de um surto na região e suscitou muitas perguntas. Uma delas é porque o contágio é maior entre homossexuais masculinos. “Nós não sabemos explicar ainda”, disse à ISTOÉ o pesquisador Henry Chambers, que coordenou o estudo. Uma das hipóteses levantadas por outro cientista que participou do esforço de pesquisa, Binh Diep, é que a contaminação esteja ocorrendo durante as relações sexuais. O principal motivo seriam as características da atividade sexual deste grupo. “A penetração anal pode causar microlesões nas mucosas da região. Isso facilita o acesso da bactéria à circulação sangüínea”, explica a infectologista Régia Damous Feijó, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo.

No entanto, isso não quer dizer que o sexo seja a principal via dessa contaminação excepcional. No momento, o pesquisador Chambers e sua equipe avaliam se a transmissão durante o ato sexual é mais ou menos importante em relação a outros tipos de contato, como ter um pequeno machucado na mão e acariciar a pele de outra pessoa portadora dessa bactéria diferenciada. Explica- se: o contágio do Staphylococcus Aureus, multirresistente ou não, se dá simplesmente pelo toque. Ele não é transmitido pelo sangue e tampouco pode ser classificado como uma doença sexualmente transmissível, a exemplo da sífilis, também causada por uma bactéria. Encontrado na pele desde a sua forma mais simples até as mais resistentes, o microorganismo aproveita qualquer lesão na superfície cutânea e especialmente nas mucosas para invadir o organismo e cair na circulação sangüínea. “Uma vez obtido o acesso, pode provocar desde inflamações leves em arranhões até infecções generalizadas e pneumonias muito graves”, explica a infectologista Heloísa Ravagnani, do Hospital Santa Lúcia, de Brasília. Tudo depende da versão da bactéria.

RUBENS CHAVES/AG. ISTOÉ

"O tratamento é feito com antibióticos potentes, que têm sérios efeitos colaterais"
ARTUR TIMERMAN, infectologista do Hospital Heliópolis, em São Paulo

"Não sabemos a capacidade da bactéria de se espalhar e nem se ficará restrita a grupos"
HENRY CHAMBERS, da Universidade da Califórnia

Até agora, o que existe de certeza sobre o novo microorganismo encontrado no bairro Castro é que se trata de uma mutação do Staphylococcus Aureus multirresistente que causou cerca de 19 mil mortes nos Estados Unidos em 2005. “Bastante agressivas, a antiga e a nova forma da bactéria podem levar à morte entre 10% e 20% das pessoas infectadas”, diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Heliópolis, de São Paulo. Mas, apesar do risco, existe tratamento. “A superbactéria é sensível à vancomicina, um antibiótico caro e potente, mas que pode provocar graves efeitos colaterais, como a surdez ou a insuficiência renal. Portanto, só deve ser ministrado em ambiente hospitalar”, diz Timerman.

Também se discute quais são as possibilidades de a nova versão do microorganismo, chamado pelos pesquisadores de Sarm USA 300, atingir um número maior de pessoas. Isso pode acontecer? “Nós não sabemos a capacidade dessa variante de se espalhar e nem se ela precisa de condições especiais para que isso aconteça. Talvez possa ficar limitada a alguns grupos e ambientes específicos”, disse Chambers. Porém, ele acredita que o mesmo fenômeno que seu estudo mostrou nos Estados Unidos esteja em andamento em outras partes do mundo. “Apenas os detalhes podem variar”, disse.