Sempre econômica em sua estética, a arte japonesa encontrou um pouso perfeito nas linhas limpas e modernistas do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba – é lá que estão reunidas as 119 delicadíssimas peças da mostra Eternos tesouros do Japão, representantes de um milênio de história da civilização daquele país. Dispostos nos 1,6 mil metros quadrados do salão chamado Olho (uma estrutura de concreto de 30 metros de altura criada por Oscar Niemeyer em 2002), os biombos, pergaminhos suspensos, armaduras, espadas, gravuras, peças de laca, móveis e objetos diversos vieram do Museu de Arte Fuji, de Tóquio. E em sua maioria pertencem aos períodos Azuchi-Momoyoma (1573–1603) e Edo (1603-1868), dois dos 15 períodos da história japonesa.

Segundo o curador Akira Gokita, a escolha das obras procurou privilegiar a diversidade. No Japão, as escolas artísticas costumavam ser contemporâneas e atravessavam longos períodos históricos. Daí encontrarmos peças de uma mesma época com estilos bem diferentes. Objetos de uma mesma idade podem, por exemplo, ser Tosa (com um estilo original japonês), Kano (em branco-e-preto e influenciado pela arte chinesa), ou Rin (decorativo, geralmente representando flores). Muito do que se vê tem outras funções que não estéticas. O biombo (ou byoubu), por exemplo, tem esse nome pela função de “quebrar o vento” – as casas japonesas são dispostas de forma a serem atravessadas pelo vento.

As surpresas se sucedem. Bem ao centro do salão principal estão expostas, pela primeira vez lado a lado, três armaduras completas do período Edo. Quem observar com atenção os protetores de rosto sob os elmos de ferro verá que eles possuem feições próprias, quase sempre de demônios, servindo tanto para ocultar a identidade do guerreiro como para amedrontar o inimigo. Vale destacar, na exposição, itens como A carta, do século XVII, um papel com a caligrafia de Matsuo Basho, o lendário mestre do haiku (hai-kai). E preciosidades como as três peças da série Trinta e seis vistas do Monte Fuji, considerada a obra-prima de Katushika Hokusai, o maior nome do ukyo-e, gravuras feitas em blocos de madeira.

Até o período Heia (794-1192), os materiais utilizados eram perecíveis e por isso as obras não sobreviveram. Mesmo a produção posterior raramente sai do museu – a primeira vez que veio ao Brasil foi há 16 anos, para uma mostra no Museu de Arte de São Paulo. Alguns cuidados especiais foram tomados. Para permitir a passagem da fiação do ar-condicionado e do desumidificador, o piso foi erguido alguns centímetros. As paredes envidraçadas do Olho foram escurecidas e a iluminação, discretíssima, foi dirigida de baixo para cima, dando aos visitantes (obrigados a tirar os sapatos ou tê-los protegidos por pantufas) a sensação de que as obras são iluminadas por velas – exatamente como foram criadas. Tais cuidados têm um peso ao mesmo estético e prático. No caso dos sapatos, o pó trazido da rua inviabilizaria a mostra. Afinal, são objetos que não podem ser, digamos, espanados.

É o caso das gravuras ukyo-e, que tanto influenciaram Manet e Van Gogh e hoje sobrevivem através dos mangás (histórias em quadrinhos) e dos animés (desenhos animados). O curioso, segundo Gokita, é que elas eram desprezadas em sua
época, chegando ao Ocidente como papel de embrulho e envolvendo outras
peças. Percorrendo-se a mostra, a profusão das peças de laca polvilhada com
ouro ou prata, produzidas segundo a técnica maki-e, dá uma idéia do valor dos
itens expostos. Uma feliz combinação. Embora a estrutura criada por Niemeyer
tenha sido inspirada em um arco, como indica o grafismo criado pelo próprio arquiteto e reproduzido em sua base, a forma é mesmo a de um olho. “Um olho amendoado”, diz Gokita.