Quem esperava há seis anos por um CD de canções inéditas de Caetano Veloso deve se preparar para (Universal), o novo trabalho do cantor e compositor baiano que chega às lojas esta semana. “Não é um disco fácil. É preciso enfrentar muita coisa para ouvi-lo”, desafia Caetano. A começar pela formação enxuta de guitarra, baixo e bateria (e algumas pitadas de teclados), passando pelas letras curtas e o som rascante, não existe nada em Cê que lembre o cantor brejeiro, movido a forte percussão ou envolto na doçura romântica. Caetano deixou de lado projetos de um CD de sambas e outro de canções sentimentais (de “receptividade fácil”, segundo ele) para mergulhar num trabalho que nasceu da troca de idéias com o guitarrista Pedro Sá, produtor do disco juntamente com o seu filho Moreno Veloso. São canções que têm forma e conteúdo roqueiros, mas não chegam a seguir os padrões convencionais do ritmo. Músicas como Outro e Rocks soam como estocadas no que o cantor chama de “aristocracia”, que busca criar cânones para uma manifestação musical originalmente rebelde. “Pensava em sacanear o pessoal purista, que diz ‘isso é rock’ ou ‘isso não é rock’”, afirma ele. Esse senhor de 64 anos e cabelos grisalhos continua o provocador de sempre.

Em algumas letras, Caetano vestiu um personagem, uma espécie de heterônimo, para descrever experiências que não foram vivenciadas por ele e colar imagens fictícias pelo mero prazer de juntar palavras que soassem bem. Pensou até em formar um grupo clandestino, em que cantasse e tocasse incógnito, como o grupo virtual Gorillaz. A idéia acabou não vingando. Há exceções autobiográficas no CD: Não me arrependo, canção feita para a ex-mulher Paula Lavigne e escolhida para tocar no rádio. “Essa música dá conta do sentido do fim de um grande romance”, diz. Na mesma linha pessoal estão Waly Salomão, que compôs para o amigo morto em 2003, e Herói, em que marca posição política e cuja letra diz: “Sou o homem cordial/que vim para instaurar a democracia racial.”

Caetano tem lido sobre o assunto e foi um dos signatários do manifesto contra o Estatuto da Igualdade Racial e as cotas nas universidades públicas: “Queria retardar a aprovação de uma lei que colocaria essa questão numa situação que não seria boa para o Brasil”, diz. “Há muita coisa a lamentar, muita coisa a combater, mas há muita coisa a se salvar do que o País tem feito com relação a esse tema.” Ele se mantém contrário ao estatuto, mas está interessado em debater mais sobre a idéia de cotas. “Não sou de todo contra.”

A política é um dos poucos temas que fazem Caetano abandonar a fala serena e levantar a voz. Cenho franzido, diz que está desanimado com a política e adianta que não vai votar em Lula, como fez nas últimas eleições: “Esperava que ele pudesse exercer o seu governo dentro da legalidade e que ao término passasse a faixa presidencial a outro. Era só o que eu esperava, era o suficiente. Essa vitória já foi alcançada, já deu o que tinha de dar, adeus.” O rito de passagem de um operário de esquerda pela Presidência foi importante, acredita ele, mas critica a instituição da reeleição, conseguida na gestão anterior. “Fernando Henrique nos premiou com isso: 16 anos da esquerda marxista da USP. Tanto faz Fernando Henrique quanto Lula, é isso.” Considerou a possibilidade de votar em Geraldo Alckmin, caso ele lhe desse mais estímulo. “Queria ouvir alguma coisa dele que me animasse, mas ele não diz nada.” Chegou a declarar o voto em Heloísa Helena, mas hoje está inclinado a apoiar Cristovam Buarque.

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O novo CD marca a mistura de gerações: o artista sessentão, os trintões Pedro
Sá e Moreno Veloso e outros dois músicos na casa dos 20, Ricardo Dias Gomes
e Marcello Callado. O tipo de som que o atrai hoje poderia estar na lista de qualquer jovem: as bandas de rock Wilco, Franz Ferdinand e Arctic Monkeys e os brasileiros Los Hermanos e Maria Rita. Nesse caldeirão de gerações, até do filho Zeca,
de 14 anos, ele aproveitou alguma coisa. “Ele chegou reclamando de uma
menina, disse que ela tinha sido ‘mó rata’. Gostei do som dessa gíria e
coloquei na música Rocks.”

 


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