Economia & Negócios

O golpe de US$ 50 bilhões
Bernard Madoff armou a maior fraude da história e lesou bilionários, empresas e bancos em 40 países. No Brasil, investidores perderam US$ 2 bilhões

Gustavo de Almeida

 

 

O maior golpe da história, um desvio de US$ 50 bilhões, aconteceu nos Estados Unidos. Mas os efeitos devastadores atingiram o Brasil e outros 40 países. O ex-presidente da bolsa eletrônica Nasdaq, Bernard L. Madoff, armou um esquema gigantesco, que durou quase 20 anos, por intermédio de sua empresa de investimentos, a Bernard L. Madoff Investiment Securities, e lesou uma grande lista de pessoas, companhias e bancos. A administradora brasileira Haegler S.A., uma empresa familiar com sede no Leblon, no Rio de Janeiro, seria a mais prejudicada no Brasil. Analistas do mercado financeiro estipulam que, só no País, o prejuízo dos investidores foi de, no mínimo, US$ 2 bilhões.

"Provavelmente, é muito mais", diz Jairo Saddi, advogado paulista e especialista em direito bancário. Ele acredita que pelo menos 300 brasileiros levaram calote. A maioria perdeu dinheiro no fundo britânico Fairfield Greenwich (que levou prejuízo de US$ 7,5 bilhões, sendo que 15% eram de investidores daqui, segundo estimativas) e no banco Santander (que perdeu US$ 3,1 bilhões, dos quais 20% desse total seria capital nacional).

A Haegler mantém em sigilo os nomes dos investidores prejudicados, assim como os bancos e todos os envolvidos permanecem calados. Para especialistas do mercado financeiro, há uma explicação: boa parte desses investimentos foi feita em esquema de caixa 2 – não declarada oficialmente, portanto. "Acredito que muitos terão dificuldades para brigar na Justiça porque não têm como comprovar a origem dos recursos", diz o advogado Saddi. Alguns dos grandes escritórios de advocacia do Rio e de São Paulo já foram consultados por clientes que perderam fortunas. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão fiscalizador, curiosamente, até a sexta-feira 19 não tinha recebido nenhuma reclamação ou denúncia sobre o fundo Madoff. "Vamos agir assim que recebermos uma notificação formal", disse o superintendente de relações institucionais da CVM, Carlos Alberto Rebello Sobrinho.

Um dos sócios do Fairfield é o americano Walter Noel, casado com a brasileira Mônica, irmã de Alex Haegler, sócio majoritário da administradora Haegler S.A. Analistas do mercado financeiro afirmam que a empresa de Alex é a ponte entre os bilionários brasileiros e a Fairfield – por sua vez, correia de transmissão para os negócios de Madoff. Alex também é dono da ONG Ação Comunitária do Brasil, que tem em seu conselho diretor boa parte do PIB brasileiro – como Aldo Castelli, Jorge Gerdau Johannpeter, José Thomaz Nabuco de Araujo Filho, Philip Carruthers, Rogério Zylberstein, Ana Cristina Monteiro de Carvalho e Mello Franco Nabuco. Alex é sócio, ainda, de uma das maiores seguradoras do País, a Zurich Brasil Seguros, que acabou de concluir a aquisição de duas megaempresas de Minas Gerais.

Mas o nome oficialmente ligado ao Fairfield é o de Bianca Haegler, filha de Alex, que aparecia como consultora no site do fundo britânico – e não aparece mais. Segundo sua assessoria, "é uma consultora de negócios do grupo Fairfield no Brasil, cujo foco principal de atuação é dar informações sobre possibilidades de negócios no mercado de fundos de investimento geridos por brasileiros". Casada com o cardiologista carioca Carlos Scherr, Bianca mora no Leblon, zona sul do Rio, e costuma caminhar na orla. Com o escândalo, sumiu do mapa.

Madoff operava com uma mecânica semelhante às populares "pirâmides" que no início da década de 80 se espalharam pelo Brasil: os que aderem ao esquema por último, a base, remuneram os mais antigos, o topo, num ciclo permanente de lucros. Todo o esquema desabou quando explodiu a crise financeira mundial e os investidores correram para sacar US$ 7 bilhões. Mas – surpresa! – não havia dinheiro em caixa. A fraude é conhecida por "esquema Ponzi", uma referência a Charles Ponzi, que na década de 20 do século passado criou o golpe (leia boxe acima).

Entre os clientes de Madoff estavam algumas das maiores instituições financeiras do mundo, como o britânico HSBC, o espanhol Santander e o francês BNP Paribas.

Curiosamente, o homem que liderou o extraordinário esquema fraudulento começou sua escalada financeira salvando vidas. O americano Bernard Madoff acumulou dinheiro no verão de 1960, aos 22 anos, trabalhando como salva-vidas de piscina em um balneário próximo a Nova York. Juntou US$ 5 mil e abriu sua primeira corretora. Ninguém poderia imaginar que, 48 anos mais tarde, ele se tornaria o maior golpista da história. A megafraude lesou, entre outros, o cineasta Steven Spielberg, o ex-beatle Paul McCartney e o escritor Elie Wiesel, Nobel da Paz em 1986. Madoff, 70 anos, foi preso depois que seus filhos, Mark e Andrew, o convenceram, com muito custo, a se entregar e revelar a fraude. Ele pagou fiança de US$ 10 milhões e ficará em prisão domiciliar. Se condenado, pode cumprir pena de até 20 anos e receber multa de US$ 5 milhões.