Um eleitor desavisado que ligasse a televisão na sexta- feira 1º de outubro, em Alagoas, em pleno horário nobre, teria a certeza de estar vendo um filme antigo. Com o mesmo olhar fixo e esbugalhado, a mesma voz autoritária, a mesma postura imperial e a expressão incisiva que conquistou 35 milhões de votos em 1989, ele estava ali, bem no centro da telinha, desta vez sob a sigla PRTB – Partido Renovador Trabalhista. Uma legenda tão desconhecida nacionalmente quanto o antigo PRN que o levou à Presidência da República há 17 anos. Fernando Affonso Collor de Mello desta vez não empunha as armas do caçador de marajás que o rotularam no passado. A feição, apesar de ainda jovem quando comparada à de seus concorrentes, não mais transmite o novo.

O discurso, sim. Esse permanece dirigido aos que tanto tempo depois permanecem descamisados. “O dia 1º de setembro marca o meu reencontro com o povo. Um reencontro cheio de emoção e fé. É um espaço para desabafar e dar um sinal positivo ao chamamento que recebi da sociedade”, disse o ex-presidente na sua estréia no horário eleitoral gratuito. É com esse tom, sem marqueteiros e no corpo a corpo diário com o eleitor que Collor planeja voltar ao cenário político nacional, agora ocupando uma cadeira no Senado. “No Congresso terei uma tribuna diária para poder esclarecer muitas coisas que ficaram obscuras”, tem dito Collor aos amigos mais íntimos, reportando-se ao ano de 1992, quando se afastou da Presidência da República, dias antes de sofrer o impeachment acusado de corrupção.

Aos 57 anos, Fernando Collor define-se como um homem feliz, “vivendo o melhor momento de sua vida”. No lugar do agitado presidente que se exibia à Nação promovendo radicais manobras de jet ski ou a bordo de aviões caças supersônicos encontra-se agora um homem mais comedido. “Estou muito mais maduro”, revelou na última semana a prefeitos que foram lhe manifestar apoio eleitoral. Está no terceiro casamento, desta vez com Caroline Medeiros, arquiteta de 28 anos, que conheceu quando era feita a decoração do apartamento de seu filho mais velho e com quem teve duas filhas gêmeas nascidas no mês passado. As inconvenientes cenas de tira e põe aliança que protagonizou com a ex-primeira-dama Rosane Malta parecem definitivamente no passado. “Estou vivendo uma paixão que espero nunca ter fim”, diz o ex-presidente. No discurso, Collor insiste em se mostrar mais caseiro, satisfeitíssimo em sua Alagoas e ao lado das pequenas filhas. Na prática, tem projetos mais amplos. Quer voltar para o mundo político com o propósito de recuperar a expressão nacional, influir nos destinos do País. “É natural que no Senado Fernando Collor trabalhará para ser uma referência em todo o País. Afinal, poucos conhecem esse Brasil como ele”, revela o ex-deputado Euclides Mello, primo do candidato e coordenador informal da campanha política.

O projeto do antigo caçador de marajás é bastante cristalino: Collor quer voltar e o Senado é uma tribuna privilegiada para “limpar sua biografia”, como costuma confidenciar. A estratégia, porém, pode não funcionar, ainda que o ex-presidente consiga os votos necessários para retornar a Brasília. “É muito difícil para lideranças que perderam peso nacional reconquistar esse espaço”, explica o cientista político Fernando Abruccio, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. “É comum que consigam resgatar algum perfil regional, mas não conseguem retomar o antigo espaço.” E, segundo Abruccio, esse não é um problema exclusivo do ex-presidente que caiu por causa de corrupção. Ele lembra que o mesmo processo ocorreu com o líder baiano Antônio Carlos Magalhães. Político poderoso, ex-presidente do Congresso, ACM renunciou depois de ser flagrado fraudando o painel eletrônico do Senado. Voltou em 2002 eleito pelos baianos, mas jamais reconquistou o prestígio de outrora, mesmo tendo nos últimos meses buscado liderar a oposição ao presidente Lula.

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Até o final de agosto, o ex-presidente oficialmente desconsiderava a possibilidade de disputar qualquer cargo eletivo. Afinal, depois de passar oito anos com os direitos políticos suspensos, Collor fez duas tentativas frustradas de voltar a vencer nas urnas. Em 2000, imaginou que poderia se eleger prefeito de São Paulo. Livrou-se do fiasco que as pesquisas anteviam ao ter a candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral. Dois anos mais tarde, perdeu a eleição do governo de Alagoas para Ronaldo Lessa, novamente seu adversário direto, agora na briga por uma vaga no Senado. Desta vez, pesa a favor do ex-presidente o fato de Lessa estar com sua candidatura pendente na Justiça. “Nossas pesquisas indicam que estamos pelo menos três pontos porcentuais à frente do ex-governador Ronaldo Lessa”, comemora Euclides Mello. Mas, apesar de ter passado todo o período pré-eleitoral negando suas pretensões, Collor dá seguidas demonstrações de que não perdeu nem um pouco da astúcia política que o levou à Presidência.

Desde o início do ano, o ex-presidente tem trabalhado com pesquisas que
apontam a viabilidade de sua candidatura. Os primeiros resultados mostraram
que Collor só perderia para Ronaldo Lessa e por pequena margem de votos. Sabedor de que a candidatura do ex-governador poderia enfrentar problemas jurídicos – ele é acusado de fazer campanha antecipada –, o PRTB de Collor
lançou um “candidato de mentirinha”, o presidente do partido, Heraldo Firmino.
No final do mês passado, quando se materializou a hipótese de Lessa não poder disputar a eleição, Firmino retirou sua candidatura e escancarou as portas para o
ex-presidente. “Renunciamos para abrir espaço ao Collor, mas ele só aceitou o convite depois de muita insistência e de perceber que era esse o desejo do povo alagoano”, afirma Firmino.

O segundo passo de Collor veio logo depois do registro de sua candidatura no Tribunal Regional Eleitoral. Ele declarou apoio e voto ao presidente Lula, aliado da maioria dos prefeitos alagoanos. O plano deu certo e na última semana, com apenas sete dias de campanha, Collor comemorava a adesão à sua candidatura de mais de 50 dos 102 prefeitos do Estado. A eles, em cada cidadezinha do interior, o ex-presidente repetia uma frase que consagrou seus piores momentos no processo do impeachment em 1992: “Não me deixem só.”

Em sua primeira semana de campanha, o ex-presidente tem dedicado a maior parte do tempo ao corpo a corpo com o eleitor, principalmente no interior. Na capital, sua presença na disputa só é constatada nas centenas de adesivos colocados em carros. E, na propaganda de rádio e tevê, Collor não mais faz as vezes de caçador de marajás. Agora, posiciona-se como um imperador a serviço de seu povo. Adotou o discurso de defensor do Estado, prometendo conquistar no Congresso o estímulo para que novas empresas se instalem em Alagoas e assegurando ao eleitor que aprovará leis capazes de incrementar o turismo, tradicional fonte de divisas dos alagoanos. Quando o assunto é financiamento de campanha, parece voltar o velho tabu dos anos de PC Farias, seu antigo tesoureiro. “Nossa luta é luta de pobre. Não vamos gastar mais de R$ 50 mil para eleger o senador, até porque não temos onde buscar recursos”, conclui Euclides Mello.

 


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