Os olhos do Sertão

Os olhos do sertão

Ouça o artista J. Borges contando como começou seu trabalho com cordel e xilogravura
 

Aos 10 anos, José Francisco Borges já vendia livretos de literatura de cordel nas ruas de Bezerros, no Agreste de Pernambuco. A necessidade de ilustrar as divertidas histórias que escrevia – são mais de 200 cordéis em 73 anos de vida, como “A chegada da prostituta no céu” ou “A vida secreta da mulher feia” – fez dele também um ilustrador. O escritor já começou vendendo bem, mas não levava a sério quando diziam gostar de seus desenhos. Acreditava que quisessem, mesmo, era mostrar tudo aquilo para a Ditadura Militar acabar com a festa, e tinha medo de ser preso como subversivo. Mas nada disso chegou a acontecer e, hoje, o famoso J. Borges carrega, com louvor, o título de “maior gravador popular do mundo”, recebido do célebre amigo Ariano Suassuna. Até 28 de fevereiro, seus cordéis, xilogravuras e matrizes estarão expostos na Caixa Cultural, em São Paulo. Confira a entrevista exclusiva que J. Borges concedeu a ISTOÉ Online.

ISTOÉ Online: Como você aprendeu a fazer xilogravura?
J. Borges:
Aprendi sozinho, no escuro. Não tinha quem me ensinasse. Ninguém me deu uma luz, aprendi na marra. Tudo meu foi improvisado, pensado e realizado por mim. Tanto que, quando eu já estava vendendo minhas gravuras, eu nem sabia o que estava fazendo ou como chamava aquilo.

ISTOÉ Online: Como o escritor Ariano Suassuna descobriu seu trabalho?
J. Borges: Uns artistas do Rio me descobriram e mostraram para ele, que ficou entusiasmado e veio me conhecer. Foi ele quem divulgou meu trabalho, saiu matéria em tudo que é lugar e comecei a vender cada vez mais. Até hoje, procuro progredir e fazer jus à confiança do Ariano. Ele diz que eu sou o melhor gravador popular do mundo. E eu acho que ele é louco.

ISTOÉ Online: Vocês são amigos?
J. Borges: Ficamos muito amigos. Outro dia, estava almoçando com o Ariano e ele disse que me tem como um professor. Eu que sou semi-analfabeto e fiz só dez meses de escola, perguntei como podia uma coisa dessas. Ele explicou que aprende muito comigo porque meu mundo do cordel e da cultura popular é forte, e por isso ultrapassei fronteiras. Eu falei para ele que não estava muito bem explicado, mas que ia me calar, mesmo assim.

ISTOÉ Online: Como aconteceu de sua obra chegar à Europa, aos Estados Unidos, ao Japão?
J. Borges: Não sei explicar, mas atribuo ao preço do meu trabalho. Porque se um milionário quiser comprar meu trabalho, ele compra, mas se o porteiro do banco quiser, ele também compra. Se, por causa da fama, eu começasse a vender as gravuras por R$ 1.000 reais, talvez eu vendesse, mas o que quero é que todo mundo tenha condições de comprar um trabalho meu.

ISTOÉ Online: Entrar em contato com culturas diferentes mudou sua obra?
J. Borges:
Eu só trabalho com o que vem de dentro da minha região. Já vi fora do Brasil muita coisa que daria uma gravura bonita, mas o que interessa a quem compra são as coisas que vêm daqui mesmo. E eu gosto de explorar meu sertão, sigo a religião de Luiz Gonzaga, que rodou o Nordeste. Chega gente do mundo todo e passa lá em casa para conhecer meu trabalho. Isso tudo fortalece minha vontade de trabalhar. Sou filho do sitio, filho da região. E quando eu escrevo ou desenho, sempre aparece alguma coisa que eu passei ou que passou por mim.

ISTOÉ Online: Você tem 18 filhos e outros seis adotivos. Como foi criar tantos filhos?
J. Borges: Quatro deles fazem suas gravuras também e já estão vendendo por aí. Tive uma boa experiência de vida, três famílias. E se tivesse mais tempo de vida, continuaria tendo filho. Acho uma coisa muito bonita. Mas agora já estou fora da validade, tenho é que criar o meu mais novo, que já está até vendendo grafites. Agora ele está fazendo um São Franscisco e botou tanto passarinho, que no mundo não tem tanto quanto ele imaginou.

Serviço

Exposição: J. Borges: Do Cordel à Xilogravura
Local:
Caixa Cultural Sé – São Paulo
Data:
de 30 de janeiro a 28 de fevereiro