O cineasta, roteirista, produtor e ator Sydney Pollack, 70 anos, mostrou que também é um excelente negociador, o que lhe valeu portas abertas no templo internacional da diplomacia: a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Seu mais recente lançamento nas telas, o filme A intérprete (The interpreter, Estados Unidos, 2005), que estréia na sexta-feira 22, tem como cenário os meandros desta instituição. Nenhum outro diretor, nem mesmo o legendário Alfred Hitchcock, em Intriga internacional, 1959, havia conseguido a proeza de entrar com câmera naquele recinto. Somente esta conquista já deveria valer uma indicação ao Oscar de melhor cenário. Uma premiação que não seria novidade em uma carreira que inclui clássicos como Três dias do condor (1975), Tootsie (1982) e A firma (1993), entre outros e dois Oscar em 1985 por Entre dois amores – direção e filme.

A intérprete, estrelado por Nicole Kidman e Sean Penn, é um filme de suspense com doses de romance e os ingredientes corretos deste gênero, especialidade do diretor. A bela ex-senhora Cruise vive uma intérprete sul-africana que acaba descobrindo um complô para assassinar o chefe de seu país. O excelente Penn faz o agente do serviço secreto que deve protegê-la. Que não se espere um documentário sobre o funcionamento das Nações Unidas. Existem discrepâncias entre o que se vê na tela e a realidade. Como ISTOÉ pôde conferir, a ONU de Pollack não é aquela de Kofi Annan. A do cineasta funciona, e a do secretário-geral, nem sempre.

ISTOÉ – Como o sr. finalmente conseguiu a sede da ONU como locação?
Sydney Pollack –
Decidi dirigir este filme atraído pela possibilidade de ter a arena das Nações Unidas como cenário de uma história de suspense político com algo de romance diferente no meio. Quando soube que nunca houve permissões nem exceções achei até que tinha sido enganado pelos produtores. Foi quando descobri que haviam falado com todos, menos com o secretário-geral, Kofi Annan, com quem consegui meia hora. Disse-lhe que não faria um filme de propaganda, mas um filme comercial de suspense que desejava que fosse o mais autêntico e preciso possível. Cavalheiro, muito delicado e educado, fez as perguntas certas e disse que iria reconsiderar o pedido. Depois de consultar o presidente da Assembléia Geral da ONU e o presidente do Conselho de Segurança, no dia 10 de janeiro de 2004 veio o o.k. As filmagens começaram em 5 de março.

ISTOÉ – Essa época coincide com o escândalo sobre o esquema de troca de óleo por alimentos com o Iraque e a briga entre os Estados Unidos e a ONU por causa da invasão daquele país. A decisão de abrir as portas da ONU não teria sido mais uma jogada de marketing de uma instituição que está debaixo do tiroteio?
Pollack –
O escândalo óleo-alimentos ainda estava no começo, mas as refregas com Washington e outros países devem ter pesado na decisão de abrir aos
olhos do público.

ISTOÉ – Annan gostou do filme?
Pollack –
Annan era simpático à idéia do filme, mas ainda não me disse o que achou do produto final. O roteiro era lido diariamente por ele e pelo indiano Shashi Tharoor, subsecretário-geral para Informação Pública. Não censuraram nada. Mas apontaram fatos equivocados. Por exemplo, tínhamos idéias confusas sobre o funcionamento da Corte Internacional de Justiça. Assim, conseguimos o acompanhamento de alguém do escritório de informação.

ISTOÉ – Mesmo assim, houve equívocos. O representante de uma missão de um país junto às Nações Unidas não pode ser processado pelos Estados Unidos, pois possui imunidade diplomática.
Pollack –
Mas aquele personagem está envolvido em um atentado à bomba
que matou cidadãos americanos em território americano. Não é uma questão
de multas de trânsito.

ISTOÉ – Um diplomata junto à ONU pode sacar de uma metralhadora e matar toda a platéia em um programa de grande audiência nos Estados Unidos. Mesmo assim, será apenas detido e entregue ao representante de seu país, que pode concordar em acabar com a imunidade. Caso contrário, será expulso.
Pollack –
Não, não! Discordo!

ISTOÉ – Passemos a outra pergunta. É verdade que Nicole Kidman pediu para trabalhar nesse projeto?
Pollack –
Sim, ela já o conhecia e telefonou propondo que trabalhássemos juntos nessa história. Mas eu já havia pensado nela.

ISTOÉ – O filme tem elenco e diretor associados com segmentos liberais da política nos Estados Unidos. Essa união foi proposital?
Pollack –
Sei que há pontos políticos que podem mudar a cabeça das pessoas, mas tento apenas contar uma história. Foi um caso de identificação mútua.

ISTOÉ – O sr. participa como ator no filme lembrando aparições súbitas de Hitchcock. Foi coincidência ou homenagem?
Pollack –
Nenhuma das duas. Meu papel, um chefe do Serviço Secreto, era tão pequeno que nenhum ator importante faria. Saiu mais barato uma opção caseira.

ISTOÉ – O sr. trabalhou como ator em De olhos bem abertos (1999), para Stanley Kubrick, e em Fora de controle (2002), para Roger Michell. Qual a diferença?
Pollack –
Comecei minha carreira como ator e depois fui professor de interpretação. Minha carreira de diretor começou meio por acaso. Não sabia nada sobre a função, mas sabia lidar com atores, estava acostumado a eles. Hoje em dia sou primordialmente um diretor. Faço trabalhos como ator para poder ver como trabalham meus colegas diretores. São oportunidades únicas para ver seus métodos, o que nem sempre é divulgado fora das locações. Como ator, pode-se dizer, sou mais um espião de outros cineastas.