A gravidez na adolescência é um drama por si só. A vida da menina, que às vezes mal largou as bonecas, sofre uma reviravolta. A garota se vê diante da responsabilidade de gerar e cuidar de uma criança quando ela mesma ainda não se tornou adulta. Uma pesquisa da Universidade de Brasília mostra que os bebês também sofrem as conseqüências desta gestação inesperada. Os filhos das adolescentes são amamentados por menos tempo, têm maior índice de baixo peso aos seis meses, sofrem com mais freqüência de desnutrição e têm maior atraso na vacinação em comparação aos de mães adultas.

“Os dados não surpreenderam, infelizmente”, diz Marilúcia Picanço, professora de pediatria da Faculdade de Medicina que coordenou a pesquisa realizada entre 2005 e 2006 no Hospital Universitário de Brasília. Foram acompanhadas as primeiras gestações de 149 mulheres – 69 adolescentes entre 13 e 19 anos e 80 adultas, com mais de 20 anos – e seus filhos até completarem um ano de idade.

Uma das questões mais delicadas – e que talvez explique em parte este panorama – é a dificuldade das mães adolescentes em criar vínculo com o bebê. “Sobretudo quem tem menos de 15 anos não assume o filho como dela”, diz Marilúcia Picanço. “É como se fosse um irmão mais novo. Elas não se sentem responsáveis por ele.” A maternidade, nesses casos, é terceirizada. São as avós, tias ou outros parentes que respondem pelos cuidados com o neném. Segundo a professora, a amamentação é o caminho para reforçar o vínculo mãe-filho. “Muitas jovens desmamam antes do quarto mês. Há indícios de que a introdução da mamadeira e de outros tipos de alimento é motivada para delegar o papel de mãe para outra pessoa”, diz ela. Esta decisão tem conseqüências negativas, pois o leite materno é o melhor alimento para o neném e ajuda o seu sistema imunológico. Os dados da pesquisa comprovam isso: 33,5% dos filhos das adolescentes tiveram doenças como gripe, diarréia e dermatites de fralda contra 26,2% dos bebês das adultas.

Fazer nascer este vínculo é uma das missões da ONG Cervi, voltada para mães, a maioria adolescentes, em São Paulo. Lá, a menina recebe desde a gravidez acompanhamento médico e atendimento psicológico, além de informações sobre contracepção para prevenir nova gravidez precoce, o que acontece em 40% dos casos. “O papel da psicóloga é fazer a garota ter consciência de que ela é a mãe da criança”, diz Rose Santiago, diretora do Cervi.

A. C. A., 17 anos, mãe de uma menina de um mês, freqüenta a ONG desde que se descobriu grávida. A gestação inesperada mudou a vida da adolescente. Estudante do primeiro ano do ensino médio, A. C. parou de ir à escola em março, pois ficava muito cansada com as viagens de ônibus. Também perdeu o emprego de recepcionista numa loja de móveis tão logo o patrão soube da gravidez – ela trabalhava sem registro. Sua mãe chorou quando ela lhe contou que estava grávida, mas a apoiou, assim como o pai da criança, o porteiro Claudeli Sampaio, 25 anos, com quem namorava havia oito meses. Os dois, hoje, moram juntos e A. C. cuida integralmente da filha. “Ela pegou o peito rápido e mama bastante”, diz ela, que sonha em cursar administração.

O apoio à jovem mãe é crucial para ela conseguir encarar as responsabilidades da maternidade. Mas, quando a própria adolescente vem de um lar desestruturado, os desafios são ainda maiores. “Algumas, no processo terapêutico, mostram condições internas para assumir este novo papel, mas a maioria não consegue”, diz Selma Sá, psicóloga do Cervi.

Quando a adolescente se sente amparada, a situação dos bebês é muito melhor. Ao cruzar informações, a professora Marilúcia descobriu que, quando a garota tem uma família estruturada, que lhe dá apoio, mas não lhe suprime o papel de mãe, e tem um namorado presente, ainda que não dividam o mesmo teto, o quadro é outro. Os indicadores dos filhos dessas meninas se assemelham aos das mulheres adultas. “Isso mostra que o problema não é biológico, é ambiental”, diz ela. “O problema é que em 70% dos casos esse apoio não existe.” Segundo ela, até os índices de evasão escolar deste grupo são menores.

Mãe de um menino de dois meses, K. S., 12 anos, está tendo todo apoio da família neste momento. Ela vivia com a mãe no interior de Minas Gerais quando engravidou. Foi morar com o pai, a madrasta e os dois meio-irmãos em São Paulo em abril passado, onde continuou a cursar a sexta série do ensino fundamental. Freqüentou a escola até agosto, pouco antes de o bebê nascer. K. ainda está às voltas com noites mal dormidas e atarefada com os cuidados do filho, mas já faz planos de voltar aos bancos escolares. “Pretendo retomar os estudos quando ele estiver perto de completar quatro meses”, diz ela. “Não quero perder o ano.”