A bolinha é alçada para o alto. O tenista salta, bate nela e faz cara de dor, mas segue na partida. Logo depois sucumbe e abandona o jogo. Heroísmo por competir machucado? Não, encenação. A jogada mais bisonha do tênis mundial, hoje, é o corpo mole patrocinado pela manipulação de resultados. Essa bola fora foi levantada pelo escocês Andy Murray, ao afirmar, no início do mês, que “todos sabem que existem casos de partidas arranjadas” no circuito profissional. Ele disse isso após o número 4 do ranking, o russo Nikolay Davydenko, tornar-se suspeito ao abandonar a partida contra o argentino Martin Vassalo Arguello, em um torneio na Polônia, em agosto.

Com a derrota do russo, uma casa de apostas lucrou dez vezes mais do que o normal, pois, estranhamente, o argentino (85º no ranking) foi escolhido por muitos apostadores. Murray foi repreendido por Davydenko – ele disse que, se o escocês sabe tanto, é porque já participou – e pelo número 2, Rafael Nadal, que jura nunca ter ouvido falar nisso. “Se forem a fundo, vão ver que existe manipulação”, diz o presidente da Confederação Brasileira de Tênis, José Lacerda da Rosa.

O número 1 do ranking nacional, Flávio Saretta, resolveu colocar o dedo na ferida do esporte e revelou à ISTOÉ que há lama em quadra: “Já tentaram me aliciar várias vezes.” O episódio mais contundente, ele conta, aconteceu em um dos torneios mais importantes do circuito, em Roland Garros, na França, em 2006. “Um cara, falando inglês, me procurou e ofereceu 100 mil euros (R$ 256 mil) para perder um jogo.” A partida era contra o italiano Potito Starace, 77º no ranking na época, válida pela segunda rodada. Saretta, então 89º, recusou e venceu o oponente por 3 sets a 2.

O tenista número 2 do Brasil, que disputa a Copa Petrobras em Belo Horizonte, também foi alvo de tentativa de suborno. No torneio de Acapulco, no México, no ano passado, Marcos Daniel acordou às 6 h com um suposto apostador telefonando para seu hotel. “Em espanhol, ele me ofereceu US$ 20 mil para entregar a partida para o Nicolas Massu”, conta o atleta, 88º no ranking, na época. Daniel havia perdido três vezes para o chileno (44º do mundo, na ocasião) e diz não ter prestado muita atenção na proposta, até porque queria vencê- lo, o que ocorreu. Depois do jogo, ele viu que havia outras seis mensagens do sujeito, que insistia: “Olha, você pode ganhar uma boa grana”, conta.

A Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) não admitiu ainda a existência de corrupção, mas colocou 140 jogos sob suspeita. Preocupada com a repercussão dos casos, convocou um ex-apostador russo para dar palestra aos tenistas, no masters series de Miami, este ano. “No Leste Europeu a aposta rola solta”, diz Saretta. Em um jogo de duplas, na República Tcheca, ele conta que se surpreendeu com um grupo que torcia para ele e seu parceiro. “Ou eu tinha parentes lá e não sabia, ou é muito suspeito”, afirma. Daniel confirma que “em jogos de duplas a tentativa de suborno acontece bastante”.

A ATP junto com a Scotland Yard, Davydenko, os advogados dele e representantes da casa de apostas já se reuniram para apurar o caso do momento. Na Austrália, organizadores do grand slam local afirmam que o russo é suspeito em outra partida, em 2005, quando perdeu para Andy Roddick também por abandono. Se a denúncia for confirmada, ele pode ser banido do esporte. Suspeitas de corrupção parecidas já existem há mais tempo. Em 2003, os negociadores de uma casa de apostas suspenderam as atividades no jogo entre outro russo, Yevgeny Kafelnikov, e o espanhol Fernando Vicente.

Seis horas antes da partida em quadra rápida, especialidade do russo, estranharam o volume de dinheiro apostado no espanhol, que computava uma seqüência de derrotas. Vicente venceu. Fora a diferença técnica, Kafelnikov, ex-número 1 do mundo, era conhecido por ser o atleta que mais disputava torneios e mais perdia na primeira rodada em competições de menor expressão – onde os prêmios são baixos. Outra fama que carregava: apostador inveterado. “Kafelnikov perdia na primeira rodada e passava a semana no hotel jogando golfe e gamão a dinheiro”, conta Paulo Cleto, “capitão” da equipe brasileira na Taça Davis durante 17 anos.

Fernando Meligeni prefere acreditar no lado romântico do esporte. “O Kafelnikov perdeu para mim, em 1998, quando ele entrou em quadra falando ao telefone”, conta. “Não boto a mão no fogo por ele, mas não quero acreditar que ele apostava. O cara podia desistir no meio do jogo para curtir o resto da semana.” Kafelnikov, ao contrário de Davydenko, não está na mira da polícia. Em 2003, abandonou as raquetes e virou jogador profissional de pôquer.