‘‘É cinismo quem disser que não é assim.” Foi com essa frase que, há dois anos, o prefeito de Uberaba e ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto (então PL, atualmente PMDB) admitiu ter recebido R$ 1 milhão do esquema do mensalão administrado pelo PT e por Marcos Valério. “É claro que isso é irresponsabilidade, mas estou pagando por isso”, completou, na ocasião. Adauto é um dos réus no processo do mensalão que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Responde por lavagem de dinheiro. O mesmo Anderson Adauto protagonizou o primeiro escândalo do governo Lula, quando em 2003 foi acusado de favorecer a Construtora Queiroz Galvão, pagando dívida de R$ 38 milhões. Nenhuma das acusações o impediu, porém, de se eleger prefeito de Uberaba, em Minas Gerais, em 2004. E é lá, na cidade mineira, que Adauto é acusado de novas irregularidades. Há duas semanas, a Justiça chegou a pedir a prisão preventiva do prefeito e a indisponibilidade dos seus bens. O pedido de prisão acabou revogado, mas os bens de Adauto ficaram indisponíveis. Em uma licitação suspeita de fraude, Adauto colocou as compras da saúde da cidade nas mãos de uma empresa privada. Por nove meses, essa empresa gerenciou serviços de almoxarifado e a aquisição de material médico. Uma análise do Conselho de Saúde do município em algumas poucas notas de compra desse período levantou a suspeita de que a empresa contratada por Adauto superfaturou em até 60% os preços de remédios.

A fraude com o dinheiro da saúde em Uberaba era algo que se previa. No início do segundo semestre de 2006, já era fato corrente no município que Adauto dirigiria uma concorrência para que a empresa vencedora fosse a Home Care Medical. Com base nessa informação, ISTOÉ chegou a publicar no jornal Correio Braziliense, no dia 26 de setembro de 2006, um anúncio cifrado antecipando o resultado da licitação. Com o título “Comunico o Extravio”, o anúncio trazia o nome da Home Care Medical escrito ao contrário, o número da licitação e as iniciais das pessoas envolvidas, entre elas o prefeito Anderson Adauto Pereira, e o valor estimado para a compra de remédios naquele ano pela Prefeitura de Uberaba: R$ 20 milhões. O resultado da licitação deveria ter sido conhecido um dia depois da publicação do anúncio. Mas acabou sendo adiado. E a licitação dirigida, esquecida. Mas em novembro de 2006 a prefeitura acabou, de fato, contratando a Home Care Medical. Para gerenciar o setor de medicamentos, a empresa ganhou inicialmente R$ 17 milhões. O primeiro sinal de que se planejava uma irregularidade, porém, foi dado antes do início da terceirização. O então secretário de Saúde, Alaor Carlos de Oliveira Júnior, pediu demissão antes da contratação da Home Care. “Não iríamos admitir a contratação fraudulenta de empresa distribuidora de medicamentos”, escreveu Alaor numa carta aberta “ao senhor prefeito e à população” em julho de 2006. “Sei que estas atitudes, apesar de dificultarem- lhe a formação de um caixa de campanha, serão muito mais gratas aos interesses da população.”

O secretário de Saúde não foi o único a denunciar as fraudes. Representante dos diabéticos e hipertensos no Conselho, Aurélio Luiz da Costa Júnior botou as mãos em notas fiscais de compras da Home Care. Verificou que a empresa comprava por R$ 179 um reagente que mede o nível de glicemia no sangue, o Accu Check Advantage. Nas farmácias da cidade, o mesmo reagente era vendido por R$ 78. O Conselho avisou à prefeitura que o reagente estava superfaturado e a empresa baixou o preço para R$ 128. Mesmo assim, um superfaturamento de 64% diante do preço das farmácias. “A concorrência da Home Care foi fraudada, as duas outras firmas que participaram da licitação são laranjas”, denuncia Aurélio.

Aurélio impetrou ação popular na Justiça contra a terceirização da saúde. No dia 11, o juiz da 4ª Vara Cível de Uberaba, Lênin Ignachitti, decretou a prisão do prefeito Anderson Adauto, revogada em seguida pelo juiz Wagner Guerreiro. Este, porém, remeteu a decisão final ao Tribunal de Justiça. E manteve a indisponibilidade dos bens de Adauto. E decretou, ainda, busca e apreensão na sede da Home Care.

Por intermédio do assessor de imprensa da prefeitura, Márcio Gennari, o prefeito Anderson Adauto acusa integrantes do Conselho Municipal de Saúde de ligações com partidos de oposição. Sobre a prisão, o assessor de imprensa acusa o juiz de Uberaba de ser “irresponsável”. Quanto ao superfaturamento, Márcio não nega a compra de remédios com preços acima dos de mercado. Mas joga a culpa sobre a empresa que terceirizou os serviços: “Esse fato ocorreu quando a Home Care estava prestando serviços”, diz Márcio. “É um item no meio de milhares.” O presidente da Home Care, Renato Pereira Júnior, nega superfaturamento. Ele diz que vai provar ao Ministério Público que não há compras com preços acima dos de mercado. “Nós trabalhamos com 14 municípios e não há problema”, diz Renato. “O que existe é briga política em Uberaba.”