31/10/2007 - 10:00
A gestão do sergipano Cézar Britto na presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) recolocou a entidade sob o controle dos chamados progressistas. Prestes a completar 77 anos, a OAB já foi protagonista de alguns dos mais relevantes episódios do País, como o combate ao Estado Novo de Vargas, a oposição à ditadura militar, a campanha pelo impeachment de Fernando Collor e as denúncias do mensalão do governo Lula. Primo do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, o advogado trabalhista Cézar Britto foi militante comunista na juventude, sindicalista no início da carreira e ongueiro na maturidade, Aos 44 anos, ele tenta, à frente da OAB, fazer uma aliança dos advogados com os movimentos sociais para agitar a política brasileira. Ecologistas, negros, mulheres, estudantes – todos são alvos no novo arco de alianças da OAB de Britto. Desde que tomou posse, em fevereiro, ele já brigou com a Polícia Federal por causa das prisões pirotécnicas, com o governo por causa do excesso de medidas provisórias e, agora, quer brigar com o Congresso para retomar a ética na política. Segundo Britto, a democracia exige um Parlamento forte para que o Executivo não fique tentado a se tornar um Estado policial.
A política está sendo confundida com politicagem, tanto por quem a exerce quanto pelos eleitores que usam o poder do voto para fazer barganha. Por isso a OAB está propondo uma reforma política que fortaleça tanto a democracia representativa quanto a participativa.
Teríamos que reconhecer primeiro que o soberano numa democracia é o povo e, depois, fortalecer os institutos de participação popular, como referendo, plebiscito, iniciativa popular, e um novo instituto que estamos propondo, o recall, que é a possibilidade de o povo cassar o mandato de seu representante quando ele se mostrar ineficaz, infiel e corrupto.
A população de um Estado poderia pedir uma eleição confirmatória para algum de seus representantes. Convoca- se uma nova eleição para saber se o povo quer ou não a manutenção do mandato. Por exemplo: 5% da população de Alagoas, em abaixo-assinado, encaminharia um requerimento à Justiça Eleitoral pedindo que se convoque uma nova eleição para o Senado, confirmando ou não o mandato de Renan Calheiros. Isso é o impeachment das ruas, e não decidido pelos seus próprios pares.
Infelizmente nós temos uma safra de representantes mais preocupada com a próxima eleição do que com a próxima geração. Legislam pensando no próprio umbigo. Os parlamentares precisam entender que há a necessidade de manter o diálogo com o povo, senão se fortalece a proposta de extinção do Parlamento. A democracia exige um Parlamento forte, um Poder Judiciário forte, para que o Executivo não fique tentado a se tornar policial.
O principal é o fortalecimento do Parlamento, tanto que não concordamos com a extinção do Senado. A reforma precisa começar pela fidelidade partidária, já decidida pelo Judiciário. Depois, o financiamento público das campanhas, para que não tenhamos mais a participação daqueles que depois vão cobrar a fatura eleitoral em obras irregulares. Também é preciso acabar com o senador suplente, que é uma aberração, o senador clandestino, que só se revela na hora de tomar posse.
Estamos mobilizando a sociedade para apoiar a reforma política. Temos discutido essas propostas com várias instituições, como CNBB, UNE e Fiesp. Mas ela não tem sensibilizado os ouvidos dos parlamentares, que são os responsáveis pelo tema. Por isso estamos agora discutindo a possibilidade de um Congresso Revisor da Constituinte, com a finalidade exclusiva de fazer a reforma política. Se os nossos representantes não fazem, então cabe ao soberano, o povo, fazer.
A população deve compreender que tem o poder soberano e se mobilizar pela reforma política. Quando a população pediu o impeachment de Collor, ninguém acreditava, dizia-se que no Brasil tudo terminava em pizza.
Há esse risco. Mas pode ser evitado. Primeiro, não se pode convocar uma Assembléia Constituinte, como a de 1987, senão zera tudo, pode-se tudo, inclusive o terceiro mandato, seria um golpe. Que fique claro: o terceiro mandato de Lula é golpe. Então, nossa proposta é eleger em 2010 uma Assembléia Revisora, independente do Congresso, com a finalidade exclusiva de fazer a reforma política. E essa revisão pode ocorrer depois do término do mandato do presidente Lula; não precisa ser agora, para não corrermos risco. O presidente tem dito que não quer um terceiro mandato, mas para nós não basta a palavra dele.
A OAB já corta na própria carne. Temos centenas de advogados cassados. Nesta gestão, aumentamos de uma para três as câmaras julgadoras examinando as questões éticas. A meta agora é criar um "foro desprivilegiado" para acelerar os processos e cassar esses advogados envolvidos em corrupção.
É como o padeiro que recebe o dinheiro de bandidos na venda do pão ou um médico que opera um traficante. Todo cidadão tem direito a um advogado. A presença de um advogado junto a um traficante não faz dele um traficante. O que não pode é o advogado usar do ardil, da mentira, da prova falsa, para tentar a absolvição. Também não se pode permitir advogados que usem suas prerrogativas para servirem de interlocutores de criminosos. Não é função do advogado ser o levae- traz do tráfico.
A violência decorre do longo período de ausência do Estado na formulação de políticas sociais. O Estado não tem apenas que subir o morro, como o governador do Rio está fazendo. O Sérgio Cabral tem que ficar lá no morro, com policiais, médicos e professores. O Estado tem que conquistar a população com políticas sociais efetivas, não com discurso demagógico. Uma forma de inclusão é o sistema de cotas sociais, políticas públicas para incluir os pobres na sociedade. Caso contrário, as favelas continuarão fornecendo um contingente imenso de jovens para o crime.
A formação católica do brasileiro diria que sim. Paulo de Tarso, que combateu os cristãos com assassinatos, se recuperou a ponto de se tornar santo e formar a base da Igreja Católica. Uma resposta prática diria que para ter recuperação é preciso ter um tratamento do Estado, dar ao internato sua função constitucional, de recuperação e educação, e não transformar o internato num cárcere disfarçado, ou numa escola do crime. Hoje, estamos mais estimulando nossos adolescentes a se transformarem em criminosos do que tentando recuperá-los.
Acredito que as pessoas são recuperáveis, não há causa perdida. Trabalho em instituições de recuperação de presos, que já promovem a inclusão de mais de quatro mil pessoas. Porém, há casos de distúrbios psicológicos graves no qual o criminoso precisa ficar afastado em definitivo da sociedade. Mas essa é uma resposta para um médico, para alguém qualificado na psique humana.
Contrária. Não é a idade que estimula o crime nem a possibilidade de ir para a cadeia que o coíbe. No caso mais famoso que comoveu o Brasil, a morte do garoto João Hélio, no Rio de Janeiro, dos cinco acusados, quatro eram adultos. É muito mais vantajoso trabalharmos no sistema de internato para menores do que encarcerá- los numa penitenciária. Mas internato de verdade, não essas instituições que estão aí, que mais se parecem com escolas do crime. Há outro aspecto grave na redução da maioridade penal. Se eu a reduzo para os crimes, as adolescentes também passam a dispor de autonomia para decidir sobre o próprio corpo. O efeito colateral seria muito grave, teríamos a redução da idade da prostituição para 16 anos num cenário de turismo sexual e trafico de meninas para a Europa.
A OAB é totalmente contra. O Brasil já teve pena de morte durante o regime militar. Isso inibiu os atos dos descontentes do regime? Não. A pena de morte também não inibe o crime nos Estados Unidos. Ao contrário, ela pode aumentar a violência. Se você pode ser morto pelo Estado, faz tudo para que as testemunhas não sobrevivam. Da mesma forma a prisão perpétua, que acaba com a grande sacada da pena no Brasil, que é a possibilidade de recuperação. A perspectiva de reinserção social faz com que o preso melhore. Pena que o Estado também não pense assim e tenha transformado a maior parte dos nossos presídios em universidade do crime.
A vontade é muito grande, mas faltam condições de se recuperar. Para o preso é mais fácil ser cooptado para o crime, por medo, sobrevivência ou necessidade de conviver socialmente na cadeia. O Estado não tem política clara de recuperação. Até porque a maior parte da população não compreende que a perda da liberdade é uma pena muito forte. E quer mais do que isso. A sociedade não se envolve na recuperação e esquece que o presídio se tornou uma escola para o crime.
A OAB apóia toda e qualquer investigação. Mas numa democracia não se pode impedir que o cidadão tenha acesso a seus advogados. A Ordem tem uma preocupação muito grande com o renascimento do estado policial, o estado de bisbilhotice, de insegurança das pessoas na sua liberdade de ir e vir.
Queremos a condenação real. Um dos maiores motivos de absolvição dos corruptos é a falha no momento da execução. A não garantia do direito de defesa faz anular o processo. O novo diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, tem dito que está muito mais preocupado com o conteúdo da investigação do que a condenação moral. Aliás, não basta a condenação moral dos corruptos. Corrupto não tem moral, sobrevive de subtrair merenda escolar. Ele sabe que, no Brasil, o próximo escândalo vai fazer com que o esqueçam.
Os cursos de direito viraram um grande negócio. Temos hoje 1.708 faculdades de direito, mais de um milhão de estudantes e a projeção de três milhões de vagas em cinco anos. Há casos de faculdades que reprovam 100% de seus alunos nos exames da Ordem. Em compensação, as boas instituições aprovam em média dois terços dos inscritos na mesma prova. O que não dá para continuar são essas fábricas de fazer dinheiro, isso é estelionato.