Quem nunca teve a sensação de que deveria mudar de escolha no último instante antes de tomar uma decisão? Para algumas pessoas, isso não passaria de um simples impulso. E não fariam caso dele. Para outras, no entanto, é algo mais forte, que não se consegue definir com palavras no momento em que surge e que pode indicar a melhor alternativa para aquela situação. Dentro desse segundo grupo estão especialistas de universidades dos Estados Unidos e da Europa. O que parecia impensável no passado virou realidade: centros de pesquisa estão estudando a intuição, um fenômeno que os dicionários classificam de capacidade de perceber ou discernir coisas, de modo imediato, sem depender do raciocínio.


À DISTÂNCIA Therezinha recebe avisos

No latim, intuitione significa “imagem refletida por um espelho”. À luz das descobertas da ciência, a expressão faz sentido. “Ela funciona como resultado de um processo mental realizado abaixo do nível da consciência”, diz o psicólogo Eugene Sadler-Smith, professor da Universidade de Surrey, na Inglaterra. É como se fosse um reflexo da mente que se manifesta como percepção repentina.


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NEGÓCIOS Ozires confia no feeling

Com a estudante de enfermagem Luísa Perisseé, do Rio de Janeiro, os pressentimentos provocam inquietações. Uma vez, despertou agitada. Estava com a sensação de que havia algo errado em um relacionamento que já durava dois anos. Conversou com o namorado e ele afastou problemas. Depois, descobriu que estava sendo traída. “Terminamos”, conta. Neste ano, Luísa estava quase acertando um novo namoro quando sentiu-se angustiada. Resolveu viajar, apesar de o candidato ter insistido que não fosse. A jovem fez as malas, conheceu outro rapaz na cidade para onde foi e hoje está com novo amor. “Minha intuição me levou até ele.” Luísa não sabe explicar como surgem essas inquietudes, porém afirma que esses rompantes se referem a situações e pessoas. “Se não simpatizo com alguém logo de cara e mesmo assim não me afasto, me decepciono mais tarde.”


SONHO Claudia pressentiu o parto da irmã

Para quem se habituou a encarar a intuição – também chamada de sexto sentido ou feeling (sensação em inglês) – como algo inexplicável ou místico, pode parecer estranho que ela tenha se transformado em objeto de interesse de pesquisadores. O sexto sentido conquistou, então, respaldo acadêmico? “Sim. A ciência está começando a esclarecer os complexos processos mentais e corporais que estão por trás da intuição”, afirma Sadler-Smith, que lança nos próximos dias o livro Inside intuition (Por dentro da intuição, em tradução livre). Na obra, o especialista inglês enumera trabalhos da psicologia social, da psicologia cognitiva (que estuda o modo como as pessoas aprendem, recordam e percebem) e da neurociência.

RELACIONAMENTO A percepção da estudante Luísa indicou problemas no namoro

Se depender da quantidade de pesquisas desenvolvidas recentemente, pode-se notar que há uma atenção especial para o sexto sentido. Uma delas, apresentada em julho, traz resultados surpreendentes. Um grupo de dez bemsucedidos empreendedores do setor de tecnologia passou por uma bateria de testes psicológicos e fisiológicos aplicados por uma equipe dirigida por Murray Gillin, professor da Universidade de Swinburne, na Austrália. Os voluntários acreditavam na intuição e diziam que isso os ajudou a enriquecer. Eles fizeram exercícios em que tinham de “investir” em empresas cujos dados eram ínfimos. Com a escassez de informações, tiveram de confiar em seus palpites. Ao final, as empresas foram reveladas. Parte delas era lucrativa. As demais tinham fracassado em seus segmentos. O que os pesquisadores observaram é que aqueles que fizeram as boas escolhas demonstraram uma desaceleração no ritmo cardíaco seis segundos antes de assinalarem suas opções. “Descobrimos que o corpo passa por um pré-estímulo antes de o cérebro fazer a decisão. Ele vem do sistema nervoso autônomo, que controla o coração, entre outros órgãos”, declarou Gillin. Para o neurologista Martin Portner, de Porto Alegre (RS), é mais uma prova de que o coração está virando um órgão sensorial. Gillin, entretanto, acrescenta que mais estudos devem ser feitos.


LIÇÃO Na hora do pênalti Taffarel usa intuição e experiência

Outro trabalho demonstra que até mesmo nos erros se encontram pistas para compreender a intuição. Especialistas do Instituto Max Planck de Pesquisa Neurológica, na Alemanha, estão investigando um processo cerebral deflagrado milésimos de segundo após uma decisão errônea. O mecanismo – uma onda elétrica – é acionado bem antes que a pessoa perceba realmente que se enganou (leia mais no quadro ao lado). Ele serviria como um sinal do organismo para a pessoa corrigir o erro e ficar em alerta. Isso seria crucial, por exemplo, para evitar um acidente de proporções maiores. Uma opção errada de rota pode culminar em um desastre, a menos que o corpo avise logo que persistir no engano será pior. “Para tomar decisões de modo intuitivo, um indivíduo deve ter experiências similares à situação enfrentada e aprender com elas. Monitorar os erros é pré-requisito para constituir a intuição”, diz o pesquisador Markus Ullsperger.


A multiplicação desses estudos é importante. Na ciência, leva-se tempo para uma nova idéia ser aceita. Principalmente quando remete a um campo polêmico. “Fica difícil para um neurologista se posicionar quando se costuma ressaltar tanto o aspecto místico de um fenômeno. Por isso, é interessante que essas pesquisas coloquem o tema em discussão de um jeito científico”, pondera o mineiro Rogério Gomes, da Academia Brasileira de Neurologia. De fato, diversos livros exploram o lado esotérico e crenças espirituais. O mercado editorial vem produzindo também uma série de trabalhos no estilo auto-ajuda.

Geralmente, o que se aceita entre os estudiosos é que as percepções atuam como se fossem o piloto automático da consciência. Isso quer dizer que elas entram em ação quando nosso raciocínio fica em segundo plano. Na opinião do neurologista Martín Cammarota, vice-diretor do Instituto Biomédico de Pesquisas da PUC do Rio Grande do Sul, a intuição deve ser compreendida como “conhecer algo sem ter consciência disso”. Muitos experimentos já demonstraram que não temos noção de certos processos que executamos. Isso porque durante a evolução do ser humano houve um período em que foi importante viver com o automático ligado. “No tempo em que o homem estava na natureza, em um ambiente repleto de predadores, isso era vital. Ele não podia esperar para avaliar se corria perigo: tinha de fugir antes de tudo”, completa.

Para o psicólogo David Myers, professor da Hope College (EUA), pode-se utilizar bem o sexto sentido. Só que sem exageros. Em sua visão, o feeling tem dois lados: o positivo e o negativo. De acordo com ele, a mente opera em duas vias. Uma delas é o sistema lógico e racional que requer esforço para ser empregado – o indivíduo precisa pensar, afinal. A outra é a trilha intuitiva, algo que ocorre nos “bastidores”. Ela é rápida e associativa. Significa que vem num lampejo a partir de informações e experiências já vividas pela pessoa. Os aspectos benéficos da segunda via são alimentar a criatividade e orientar a tomada de decisões quando o sistema analítico não tem meios de encontrar respostas. Um risco é gerar preconceitos, já que as experiências talvez não sejam adequadas nem salutares.

Um exemplo positivo de uso da intuição é o de Claudio Taffarel, ex-goleiro da Seleção Brasileira. Famoso por ser um exímio pegador de pênaltis, ele decidiu assim algumas das partidas mais importantes de sua carreira, como a final da Copa do Mundo dos EUA, em 1994. Há quem sustente que praticar esse tipo de defesa é questão de sorte. Outras, de um olhar treinado. Como Myers ressalta, porém, o background conta nesses momentos. “Na hora do pênalti, eu me posicionava logo para criar um quadro com informações que me ajudassem a decidir o que fazer”, diz Taffarel. O detalhe é que freqüentemente o sucesso depende do estado emocional. “Na final da Copa de 94, estava muito nervoso. No terceiro pênalti, fiquei mais tranqüilo e consegui visualizar melhor a situação. E peguei o chute”, lembra.

Visualizar um problema a ser enfrentado é uma dica dos especialistas para quem quiser utilizar com eficácia o sexto sentido. Outra é não se fixar somente no que indica seu instinto. “Os empresários que seguiram a intuição e se saíram bem também prestaram atenção à análise racional e equilibraram os dois lados para decidir seus negócios”, ensina o psicólogo Sadler-Smith. Para aumentar a chance de acertos, vale colocar o feeling em prática. Estimular a percepção orientará a mente intuitiva a formar bons palpites. Um treino é compartilhar com os demais os acertos feitos com base em pressentimentos. Outro truque: aquietar a mente racional por meio da meditação ou de técnicas de relaxamento.

O engenheiro Ozires Silva, um dos criadores da Embraer e hoje presidente de uma companhia de biotecnologia (Pele Nova), tem sua intuição bem aguçada. Em 1991, ele recebeu um telefonema do ministro da Aeronáutica, convidando-o a retornar à empresa. A Embraer vivia um período de crise e ele foi chamado a virar o jogo. Em função do cenário complicado, poderia responder “não”. No entanto, sua mente já aceitara o desafio. “Não tive a menor dúvida de que o transporte aéreo mundial iria crescer”, diz. Sua dica: “Se você tiver confiança no meio em que vive, a intuição será mais centrada.”

Apesar das novidades, ainda há muito a descobrir sobre o poder do sexto sentido. Na ótica da psicanálise, a intuição não tem origem em experiências passadas. Ela vem como um insight, sem que se conheça como se processa isso no cérebro. Segundo Carl Gustav Jung, uma das maiores referências nesse campo, a intuição é uma das quatro funções psicológicas do homem (as demais são sensação, sentimento e pensamento). “Intuir é algo natural da pessoa e pode ocorrer a partir de dados subliminares”, afirma a psicóloga Marion Gallbach, do núcleo de estudos junguianos da PUC de São Paulo. Quem encontra uma amiga e tem a impressão de que ela está triste, mesmo sem notar sinais aparentes, pode ter captado sutilezas percebidas somente pela intuição. Sonhos podem ser também manifestações do feeling. Mulheres sonham com freqüência que estão grávidas porque os corpos estão sensíveis às mudanças hormonais. A produtora de eventos Claudia Schumacher, de Porto Alegre, passou por algo que não consegue explicar, mas que pode encontrar paralelos com a interpretação da psicanálise. “Sou intuitiva e uma vez sonhei que eu dava à luz. Acordei em seguida com minha irmã gritando na casa”, recorda- se. A irmã estava grávida e a bolsa tinha acabado de romper.

Para as situações que fogem às explicações da ciência, quem oferece respostas é a parapsicologia. “Quando não há uma percepção sensorial ou um conhecimento prévio que justifique a intuição, podemos pensar que uma mensagem foi captada pelo inconsciente por vias paranormais”, afirma Tarcísio Pallú, professor do Instituto de Parapsicologia de Joinville (SC). Alguns dos fenômenos paranormais, nesse caso, são a telepatia e a precognição (conhecimento do futuro). Foi o que Therezinha Corrêa, de Curitiba (PR), assegura ter ocorrido com ela. “Sempre tive sonhos premonitórios”, revela.

Neste ano, entrou em um curso de parapsicologia e tem aproveitado mais seu sexto sentido. Recentemente, sonhou que seu neto sangrava. Ligou de manhã para saber dele e soube que o menino, que vive a nove quilômetros de sua casa, tivera uma hemorragia nasal à noite. “Nunca tive preocupações quando meus filhos eram jovens. Dormia mesmo porque sabia que seria avisada em sonhos sobre qualquer problema.” Hoje, ela recorre a seu poder intuitivo. O psicoterapeuta Edgardo Musso, do Centro de Desenvolvimento da Intuição, no Rio, prepara pessoas para exercer mais esse lado. “Todos têm condições de tirar proveito disso. Mas apenas os que se livram da dominação da razão como única forma de perceber o mundo”, diz.

ALÉM DA RAZÃO
Conheça algumas personalidades que valorizavam o lado intuitivo

ALBERT EINSTEIN
(Físico alemão)
Dizia que, às vezes, confiava estar certo mesmo sem saber a razão. “Não existe caminho lógico para a descoberta das leis do universo. O único caminho é a intuição”, declarou


WOLFGANG MOZART
(Músico austríaco)
Mozart escreveu suas primeiras composições aos cinco anos em lampejos de criatividade. Graças a sua genialidade, em instantes tinha noção exata de como seria uma obra

CARL GUSTAV JUNG
(Psiquiatra suíço)
Foi chamado de místico por muitos de seus amigos. Ele classificou a intuição como uma das funções psicológicas. Jung se considerava bastante intuitivo


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