Comportamento

Filhos com manual de instrução
Cursos ensinam pais a lidar com questões práticas do cotidiano, como fazer dormir e enfrentar malcriações

Claudia Jordão
 

i83728.jpgNo tempo de nossos pais, quando uma criança nascia, a família toda se punha a ajudar. As mulheres davam dicas de higiene, amamentação e sono. Os homens auxiliavam na formação de limites e caráter. E o famoso instinto maternal era o principal aliado. Acontece que a maneira como eles nos criaram está se tornando obsoleta. A moda agora é ouvir menos a sabedoria popular e a intuição. E atentar mais para aquilo que os especialistas têm a dizer. Apoiados nessa nova tendência, educadores e médicos oferecem cursos de "profissionalização" para pais. Com o objetivo de orientar os marinheiros de primeira viagem na criação dos filhos, eles abordam questões referentes ao cotidiano e ao comportamento das crianças. Ensinam, por exemplo, sobre a importância da rotina na vida do bebê e a lidar com questões como birra e mentira.

Uma das pioneiras a ministrar esses cursos no Brasil, a especialista em educação infantil Júlia Manglano acredita que o surgimento do segmento é um sinal dos tempos. "Hoje, é muito mais difícil criar os filhos", diz.

Ela chama a atenção para a entrada das mulheres no mercado de trabalho, que desencadeou a terceirização da educação. "As crianças ficam com babás, que não impõem limites", afirma. Atenta a esse mercado, Júlia trouxe em 1998 dos Estados Unidos o programa "Mães profissionais – bebês pequenos" e "Mães profissionais – nível avançado". "No início, as mães estranhavam nossa proposta, mas hoje o curso tem freqüência 100% maior", diz. A especialista também é orientadora de um método espanhol oferecido pelo Instituto Brasileiro da Família (IBF), em São Paulo. Nesse caso, a formação é dividida em estágios. O "primeira idade" aborda as questões rotina, higiene, alimentação e sono em crianças de 0 a 3 anos. O "primeiras letras" fala de sinceridade, sociabilidade, obediência, fé e constância – aqui, os pais aprendem a aliar discurso a atos para crianças de 4 a 8 anos.

Há também o "primeiras decisões", para filhos de 9 a 12, em fase de implantação. Mas, com tudo isso, onde fica a intuição materna? "O melhor a fazer é aliar conhecimento e intuição. Não damos receitas, mas caminhos", diz.

Em contrapartida, analisa Júlia, os pais têm à disposição novas ferramentas para educar seus filhos. Os médicos Cristiane Assis e Leandro Romani lançam mão de algumas delas. No workshop Paternidade Consciente, eles recorrem à medicina fetal, comportamental e chinesa, à hipnose e à neurolingüística para ajudar os pais a lidar com questões do dia-a-dia. "Quem sabe como funciona o cérebro do filho no processo de aprendizagem, ensina melhor", afirma Romani.

Mãe de três meninos (de 7 anos, 2 anos e 4 meses) a dona-de-casa Bernadete Sugai é freqüentadora assídua desses cursos. Aprender a fazer seu primogênito dormir a noite inteira está entre os ensinamentos mais preciosos que recebeu. Bernadete lembra que ela e o marido sofriam só com o fato de a noite se aproximar. "Ficávamos frustrados em não conseguir fazê-lo ter uma noite de sono", diz.

Nas aulas, aprendeu técnicas que passou a implementar, como evitar rituais para ninar a criança (no caso de Bernadete, ela dava tapinhas no bumbum), que "viciam" o bebê e escravizam os pais. A consultora Ana Lúcia Conti, mãe de três filhos, também procurou ajuda profissional quando o mais velho passou a acordar com freqüência à noite e, de quebra, aprendeu a lidar com questões comportamentais, como birras. Há um ano, a filha mais nova cismou que queria um sorvete e fez um escândalo em um shopping em São Paulo. "Senti o sangue subir, contei até mil e lembrei dos ensinamentos do curso".

A técnica foi ignorar a platéia e aproveitar a chance para educar. As duas conversaram, o passeio foi suspenso e Aline, desde então, nunca mais fez aquilo.

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Esses cursos surgem na esteira de livros e programas de tevê com o mesmo objetivo, que vêm se popularizando de cinco anos para cá. Segundo levantamento da rede Fnac, há 350 títulos de autoajuda para pais à venda nas lojas do País. No topo dos best sellers está A encantadora de bebês, da inglesa Tracy Hogg. O sucesso de A encantadora se repete na tevê – a obra virou programa e chegou ao Brasil através do canal pago Discovery Home & Health. Atualmente estão no ar atrações como SOS babá e A domadora – nesse caso, para pais de adolescentes. A versão brasileira é o SuperNanny, no ar pelo SBT.

Mas o que aconteceu de uma geração para cá que deixou os pais tão inseguros? "Antes, era comum bater para educar", diz Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Como hoje esse hábito é repudiado, educar sem levantar a mão é mais complexo.

"Os pais atuais não querem agir como seus pais agiam e ficam sem referência." Ainda assim, Quézia pondera sobre os cursos. "Eles não podem ser encarados como receita infalível." O ideal, principalmente quando se trata de educar filhos, é usar o bom senso.