A relação entre a boca e a saúde do resto do corpo pode ser bem mais importante e delicada do que se imagina. A ciência tem descoberto mais evidências de que é muito forte a ligação entre as condições bucais e doenças cardíacas, cerebrais e alguns outros males. O mais recente achado neste sentido é um estudo feito por cientistas da Universidade Kentucky, nos Estados Unidos. Divulgada há duas semanas, a pesquisa mostrou que a perda de dentes em idosos pode ser um sinal de que um quadro de demência está em desenvolvimento.

Os pesquisadores concluíram que o mesmo processo que danifica os dentes – uma infecção causada por bactéria – pode também prejudicar o funcionamento das células cerebrais. O problema é que esse último efeito só será sentido anos depois. Daí a importância do estudo. Ele mostra que é preciso ficar atento aos casos em que a perda dentária é acentuada. Afinal, ao mesmo tempo, neurônios podem estar sendo atingidos.

De fato, diversos estudos mostram que as bactérias bucais, em tese protetoras da boca, podem ser muito danosas. Essas ameaças justificam a importância de uma boa higienização bucal para evitar a cárie e a periodontite. No primeiro caso, o problema é causado por placa bacteriana que se fixa à superfície do dente. A periodontite é uma infecção crônica causada por bactérias que destroem os tecidos que dão sustentação aos dentes. "Essa doença tem um componente genético, mas está diretamente ligada a má higienização bucal", explica o periodontista Antônio Carlos Canabarro Andrade, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Sem cuidado adequado, as bactérias se proliferam, entram na corrente sangüínea e provocam danos graves a vários órgãos do organismo.

Um dos principais atingidos é o coração. "Cerca de 30% dos casos de endocardite bacteriana, infecção que acomete as válvulas do coração, advêm de bactérias da boca", afirma o estomatologista Carlos Eduardo Ribeiro da Silva, da Universidade Federal de São Paulo. A doença pode levar à morte. A empresária baiana Geane de Carvalho, 35 anos, descobriu que tinha a doença quando começou a sentir dores, fraqueza e muito cansaço. "Na adolescência tive um problema bucal que não foi adequadamente tratado. Foi o que provocou a doença", conta.

Os prejuízos causados pela infecção podem chegar ao cérebro. Os microrganismos se instalam dentro dos vasos que irrigam o órgão e provocam a interrupção do fluxo na região. A condição pode levar ao acidente vascular cerebral, conhecido como derrame. A infecção bucal tem ainda o potencial de adiantar o parto – ela estimula contrações e a dilatação do colo do útero – e de complicar o tratamento da diabete. "Os pacientes têm maior risco de desenvolver doença periodontal", esclarece o periodontista Jorge Ferreira de Araújo, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Naqueles que têm o controle da taxa de açúcar deficiente, os danos são ainda maiores.

Apesar dos riscos, o problema ainda é negligenciado. "Em parte porque no início não há dor. Pode ocorrer sangramento durante a escovação, mas as pessoas ignoram esse sintoma", afirma o patologista bucal Panteles Varvak, da Associação Brasileira de Odontologia. Ele alerta, porém, que mudanças na mucosa bucal devem ser vistas com atenção. "Uma lesão que não regride em 15 dias precisa ser investigada", defende Varvak.

Alterações nas articulações da mandíbula também podem provocar prejuízos. Uma disfunção na articulação que liga a mandíbula ao crânio, chamada de ATM, é uma das principais responsáveis por dor de cabeça e dor facial. Entre os fatores desencadeantes dessa disfunção estão a ansiedade e o bruxismo – ato de ranger dentes durante o sono. "Muitas pessoas passam a vida tratando enxaqueca, quando na verdade é uma disfunção da ATM", afirma Simone Silveira, especialista no assunto. A advogada Neusa Ortiz sabe bem o que é isso. Durante anos ela tratou, sem sucesso, uma dor de cabeça, mas o problema era na articulação da mandíbula, causado pelo bruxismo. "Procurei um especialista e, com ajuda de várias terapias, me libertei das dores", afirma.