A cena é comum. Caderno aberto, livro num canto e a cara aborrecida. Não da criança, mas da mãe. Discutir por causa da letra é praxe. Assim como irritar-se devido à lentidão na execução dos exercícios ou desesperar-se porque o herdeiro não entende o que ela cansou de repetir. A lição de casa virou um tormento para muitos pais. Especialmente agora, quando os estudantes correm contra o tempo para evitar a recuperação. A “ameaça” faz aumentar a pressão da família, a cobrança por um bom desempenho e os insistentes pedidos para que o filho se dedique mais ao estudo. Tudo isso sem deixar de lado o capricho nas tarefas.

Mas acrescentar horas ao período dedicado às atividades não ajuda a criança. Nem travar batalhas com o filho por causa da lição. É o que demonstra uma série de pesquisas feitas nos Estados Unidos. Levantamento da Universidade de Michigan com 2.900 jovens americanos revelou que o tempo gasto com as tarefas aumentou 51% entre 1981 e 2004. Outro trabalho, conduzido na Duke University, mostrou que esse acréscimo não trouxe melhora na performance. O estudo apontou ainda que os estudantes do ensino fundamental que dedicaram de 60 a 90 minutos diários para os deveres e os alunos do ensino médio que cumpriram mais de duas horas na execução deles tiraram as notas mais baixas.

Por esses e outros achados, o educador Alfie Kohn, autor do livro The homework myth (O mito da lição de casa, em tradução livre), propõe uma nova forma de tratar o assunto. Para ele, as crianças poderiam trocar os exercícios convencionais por atividades mais envolventes, como entrevistar os parentes para conhecer a história da família.

No Brasil, embora a escola não seja integral como nos Estados Unidos, também há defensores de novos meios de lidar com o dever. Motivos não faltam. A tarefa, quando executada apenas por obrigação, não estimula a aprendizagem. Cumprida sob as broncas dos pais, traz uma percepção negativa: aos olhos do filho, lição vira sinônimo de chatice. Com isso, as oportunidades de treinar e captar conceitos se diluem. “Ver o jogo de empurra diante do conhecimento me entristece. Há professores que passam o dever de ensinar para os pais, que o devolvem para a escola. Os alunos refletem esse descompromisso e também querem delegar para alguém a lição, seja para os irmãos, seja para a internet”, declara Nilce da Silva, professora da Faculdade de Educação da USP.

Para a Ph.D. em educação infantil Fátima Guerra Sousa, da Universidade de Brasília, o ideal seria oferecer horário integral para os jovens. Mas já que isso é raro no País, cabe aos colégios discutir quando e como passar lição de casa. “Eu reduziria a tarefa. Em alguns lugares, ela é o atestado de que a escola não consegue trabalhar a aprendizagem na perspectiva do prazer e do envolvimento do aluno”, afirma. Nas suas palavras, se o interesse é despertado de outra forma, não é necessário passar tantos exercícios para a casa. O próprio estudante vai atrás de informações. Fátima acha importante distinguir os níveis de ensino e é contra pedir tarefas para menores de seis anos. “O aprendizado deles ocorre por meio de brincadeiras”, considera.

Na visão de Clélia Pastorello, educadora de São Paulo, escolas com projeto educacional sempre revêem a lição. Esse esforço deve ser feito. Afinal, em certas escolas, dificilmente a tarefa direciona a criança e o adolescente a aprender por si. Outro problema é que os pais não sabem como participar. “Interferir não é um mal, desde que o adulto se coloque ao lado para estimular, não para dar respostas”, ensina Clélia. Quando os pais começam a palpitar demais nos trabalhos, eles prejudicam o desenvolvimento da autonomia das crianças. “Muitas famílias ficam estressadas com o que julgam estar errado e acabam assumindo a responsabilidade pela tarefa”, comenta a neuropsicóloga infantil Ana Olmos. A dica, portanto, é não interferir demais e controlar a vontade de apagar a lição. Ana tem ainda uma sugestão para aliviar os dilemas cotidianos: criar um horário para que a lição seja feita no colégio. Com isso, a criança aproveitaria melhor o tempo em casa, com direito a brincar e sentir prazer entre os seus. Seria um aprendizado e tanto.