LEOPOLDO SILVA/AG. ISTOÉ

IVO CASSOL a ex-ministra Marina Silva acusa
o governador de Rondônia de ter PCHs irregulares

Enquanto as atenções dos órgãos fiscalizadores estão concentradas na liberação das obras de grandes hidrelétricas, como as de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, o Ministério Público Federal vem comprovando que a concessão de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) pelo País afora tem gerado lucros tão meteóricos quanto de origem escusa. São usinas de pequeno porte, capazes de produzir 30 mil megawatts e que, uma vez construídas, têm valor médio de R$ 300 milhões. Para que se possa construir e explorar as PCHs é necessária uma concessão pública, outorgada pela Aneel, e a liberação do Ibama. Pelos trâmites normais, o processo de aprovação chega a levar dois anos. No entanto, nos últimos meses, o Ministério Público Federal tem constatado que algumas autorizações são obtidas em tempo recorde, graças à influência de parlamentares e governadores. A informação foi repassada ao Ministério Público por um senador da base aliada do governo que tem auxiliado as investigações e os procuradores já comprovaram casos concretos de danos ambientais e falhas nos processos construtivos. Hoje, há no Brasil 299 dessas pequenas hidrelétricas em funcionamento e outras 79 em construção. Das que estão em operação, 154 foram inauguradas nos últimos dez anos.

Obter o certificado de concessão é o primeiro passo para a realização dos bons negócios com as pequenas hidrelétricas. Com esse documento em mãos, o beneficiado, necessariamente uma pessoa jurídica, obtém financiamento privilegiado no BNDES ou em outros bancos oficiais. O que o Ministério Público constatou é que muitas vezes, antes mesmo de a obra ser iniciada, o empreendimento é vendido para terceiros com um pequeno deságio sobre o valor integral da usina. Bom para quem vendeu, que quase não aportou capital, e bom para quem comprou, que, além de ficar com um financiamento de longo prazo e com juros baixos, ainda tem a garantia de que a futura produção será comprada pelo governo federal por intermédio da Eletrobrás. O problema é que para obter a concessão com rapidez são menosprezados os estudos sobre o impacto ambiental e o projeto construtivo da usina. "Para grupos que são sérios, o negócio de PCHs é uma excelente oportunidade de desenvolvimento. Mas, para os que não são sérios, essas concessões se tornaram apenas uma fonte de lucro, muitas vezes irregulares", ressalta o senador Delcídio Amaral (PT-MS), especialista e pioneiro do setor.

STEFERSON FARIA

OPORTUNIDADE Para a construção de uma PCH é possível
obter financiamento privilegiado e há garantia de compra
da energia pelo governo federal

Os governadores Blairo Maggi (PR), de Mato Grosso, e Ivo Cassol (PPS), de Rondônia, são dois expoentes desse mercado. O primeiro é sócio majoritário da Maggi Energia S/A, que, em consórcio com a Linear Participações, colecionava até o ano passado uma dezena de usinas de pequeno porte. Dessas, a Linear Participações já vendeu seis, hoje em poder da Global Bank, de Pedro Paulo Leoni Ramos, ex-comandante da Abin no governo Collor. Junto com as hidrelétricas, a Global Bank adquiriu uma batalha judicial com a Procuradoria da República, que acusa o consórcio Maggi Energia de causar um desastre ambiental e praticar tráfico de influência no processo de outorga das concessões. "Essas PCHs do grupo Maggi são um absurdo. Um desrespeito ao meio ambiente, que sofrerá seqüelas com todo esse processo", diz o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lucio Avelar. Procurado por ISTOÉ, o governador Blairo Maggi afirmou que as PCHs questionadas pelo Ministério Público estão nas mãos da Global Bank. "O consórcio foi desfeito e o grupo Maggi ficou com as concessões de apenas três PCHs e todas são regulares", diz.


"Ficamos com apenas três concessões e todas elas
são regulares"
Governador Blairo Maggi, de Mato Grosso

O governador de Rondônia, Ivo Cassol, também coleciona PCHs e luta na Justiça contra a acusação de que uma de suas hidrelétricas agride o meio ambiente. "O governador Ivo Cassol tem umas cinco PCHs, todas irregulares", acusa a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PT-AC). As usinas de Cassol, conforme declarações do Ministério Público Federal, interrompem o fluxo de água que abastece áreas indígenas, alterando o bioma e causando severo impacto ambiental, como a estiagem em mananciais e a morte de peixes e animais silvestres. Na tarde da quintafeira 12, a assessoria de imprensa do governador Cassol, através de um assessor que se identificou como Marco Antônio, informou que o governador estava no interior e que só ele poderia se manifestar sobre as PCHs.

O Ministério Público também já constatou que em muitos casos os nomes de deputados e senadores não fazem parte das empresas que procuram explorar as PCHs, mas estão por trás das concessões fornecidas pela Aneel e pelo Ibama. Como os parlamentares têm foro privilegiado, seus nomes são mantidos sob sigilo pelos procuradores até que as investigações sejam remetidas aos tribunais superiores. Mas o que eles descobriram é que muitos políticos oferecem seus préstimos na facilitação dos trâmites dos projetos nos órgãos oficiais. Em troca, pedem pela consultoria um percentual em torno de 20% do capital a ser investido. ISTOÉ apurou que um dos parlamentares citados nas investigações do Ministério Público é o senador Marconi Perillo (PSDB-GO), que teria participações não declaradas em algumas PCHs. "Não é verdade. Não tenho nem 1% de nenhuma hidrelétrica", afirma Perillo. Outro nome citado na apuração do MP é o do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele seria sócio do doleiro Lúcio Bolonha Funaro na PCH do rio Apertadinho, em Vilhena, Rondônia. "Não sou sócio e Funaro não é nem amigo nem inimigo", afirma o deputado.

Como funcionam as PCHs
As PCHs são hidrelétricas de pequeno porte. Enquanto uma hidrelétrica como Itaipu possui 12.600 MW de capacidade instalada, as PCHs geram, no máximo, 30 MW. E, ao contrário dessas usinas gigantescas, que represam grandes rios, as PCHs operam com pequenas correntes d’água e, por isso, podem ser instaladas em uma grande variedade de locais. A energia produzida por essas usinas menores atende a poucos consumidores, mas seu custo operacional às vezes pode ser maior do que o de hidrelétricas de grande porte. Isso porque o reservatório das PCHs não armazena muita água. Assim, em período de seca, pode ocorrer ociosidade e, em período chuvoso, interrupção dos trabalhos. A concessão das PCHs é regulada pela Resolução 394/98 da Aneel, segundo a qual o investidor deve apresentar um projeto básico indicando o local da exploração e a viabilidade técnica, ambiental e econômica. Qualquer pessoa jurídica, pública ou privada, pode solicitar a concessão de uma pequena usina.