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No último mês, quatro cidades próximas da região metropolitana de São Paulo ganharam atenção especial por conta das inundações, que já se tornaram uma rotina na capital paulista. Apesar de, estatisticamente, Atibaia, Bragança Paulista, Nazaré Paulista e Vargem – que juntas somam pouco mais de 280 mil habitantes – estarem bem distantes dos números superlativos de estragos na capital, as cheias que atingiram esses municípios suscitaram uma questão até então ausente do debate público: o papel das represas em períodos de muita chuva. Operando no limite, as barragens paulistas foram obrigadas a abrir suas comportas, ampliando ainda mais os estragos causados pelos temporais intensos e constantes que atingem toda a região metropolitana de São Paulo desde o início de dezembro. Com o aumento das águas causado por uma decisão do poder público – que deveria, em última instância, ter instrumentos para evitar problemas como esses – emergiu também a discussão sobre a capacidade do Estado de gerir essas represas e garantir a segurança da população que vive em seu entorno. Responsável pelo fornecimento de 50% da água consumida pela região metropolitana de São Paulo, as cinco represas que compõem o sistema Cantareira estão operando com quase 100% de sua capacidade.

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BARBEIRAGEM
Abertura tardia das comportas de Atibainha alagou a cidade de Nazaré Paulista

Por conta do nível recorde, a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Departamento de Água e Energia Elétrica de São Paulo determinaram à Sabesp o aumento da vazão das águas das represas de Jaguari, Cachoeira e Atibainha em meados de dezembro. A medida visou evitar que as represas transbordassem e causassem um estrago imensurável às cidades próximas, caso viessem a se romper. O feito conseguiu manter a estabilidade das barragens, mas ampliou os alagamentos e evidenciou que o sistema não está preparado para tanta chuva. “O problema é que a Sabesp   esperou chegar ao limite para abrir as comportas”, diz Fabiane Santiago, prefeita de Piracaia e vice-presidente do Consórcio das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. A Sabesp só tomou a decisão de abrir as comportas das represas por conta da recomendação da ANA, mesmo com os níveis chegando muito próximos ao limite. A explicação para o que parece ser uma negligência,   segundo a companhia, é que ações de prevenção como essa só podem ser tomadas por decisão da agência reguladora. “Obedecemos às agências”, diz Paulo Massato, diretor da Sabesp responsável pela região metropolitana da cidade de São Paulo. “Sem a determinação delas nós não podemos fazer nada.” Além da baixassem os níveis, a concentração das chuvas também pegou a Sabesp no contrapé. “Choveu muito, enfrentamos uma situação diferente, acima da média”, afirma Massato.

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ATRASO
Represas deveriam ter começado a liberar água em outubro

Diferente, mas não imprevisível. No início de outubro, dois meses antes de os temporais começarem, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou um alerta informando que já naquele momento o nível dos reservatórios era preocupante. “Recomenda-se começar a verter as águas para evitar enchentes catastróficas nos meses de dezembro a março”, alertava o documento, que só veio a público na última semana, em reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”. Também em outubro o Comitê das Bacias Hidrográficas de São Paulo alertava que, devido à previsão de chuvas intensas, as comportas das represas da região metropolitana de São Paulo deveriam ser abertas o quanto antes. A Sabesp não seguiu a recomendação na época e, quando começou a abrir as barragens, só na  metade de dezembro, o solo já estava encharcado e as chuvas já haviam feito estragos. Estragos que foram amplificados com a abertura das comportas. Em Atibaia, 15 bairros foram alagados e 165 famílias ainda estão desabrigadas. Em Bragança a 26 quilômetros de lá, cinco bairros da área rural ficaram cobertos de água e 13 famílias permanecem em abrigos da prefeitura. A pequena Nazaré Paulista, de pouco mais de 15 mil habitantes, teve alagada toda a região às margens do rio Piracicaba, que corta a cidade e onde está instalada a represa Atibainha. Em todas essas cidades a abertura das comportas foi diretamente responsável pelos contratempos que enfrentaram e continuam enfrentando por conta dos alagamentos. Mas, temendo que os problemas causados pelas barragens possam ganhar contornos de tragédia, muitos se dão por resignados diante da situação.

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“É melhor abrir a comporta do que a barragem romper”, diz o prefeito de Nazaré Paulista, Nenê Pinheiro. A Sabesp reconhece que foi alertada pelo Inpe e pelo Comitê de Bacias Hidrográficas de que poderia enfrentar problemas de monta neste verão. No entanto, a companhia garante que nada poderia ter sido feito. De acordo com a Sabesp, a pesquisa do Inpe é apenas qualitativa, ou seja, não diz com exatidão o volume de chuvas nem quando vão ocorrer. Por isso, diz a companhia medidas preventivas como a abertura de comportas, não podem ser tomadas. “Quanto vai chover e que dia vai chover ninguém pode informar”, diz Hélio Castro, subordinado de Paulo Massato na Sabesp e responsável direto pelo gerenciamento das barragens na região  metropolitana da cidade de São Paulo. Mais do que a incapacidade da Sabesp em determinar quando e em que dimensão as comportas das barragens devem ser abertas, o que surpreende é o fato de que, caso volte a chover como neste verão, todos os problemas se repetirão. Para a Sabesp, o que houve foi um caso atípico, que provavelmente não se repetirá no futuro e, por isso, não há nenhum plano de reestruturação das barragens para uma mudança climática  que provoque chuvas tão intensas como agora.

“As chuvas foram excepcionais, mas não há garantias de que isso volte a ocorrer”, diz Hélio Castro. “Eu duvido que alguém sustente a afirmação de que essas chuvas excepcionais continuarão existindo”, diz o superintendente, indo contra o senso comum no mundo científico de que o planeta está entrando em um período de extremos climáticos cada vez mais frequentes. A Agência Nacional de Águas (ANA) discorda de forma categórica da Sabesp. Para a ANA, mais do que discutir se de fato as chuvas aumentarão ou não, o momento é de se preparar para situações como as que estão ocorrendo. “Estamos buscando medidas operacionais e estruturais para flexibilizar as operações nos reservatórios”, diz Vicente Andreu, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas. “Estamos nos preparando e o mais importante neste momento é aprimorar os procedimentos para o futuro.” As cerca de 280 mil pessoas que vivem sob o impacto direto das represas administradas pela Sabesp na região metropolitana de São Paulo com certeza concordam com a opinião de Andreu.