Nos últimos dias, aqueles que apregoam o fim do foro privilegiado como forma de assegurar a ética na política sofreram pelo menos três duros golpes. Primeiro, na terça-feira 10, veio a derrota da proposta do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, de barrar a concessão de registro a candidatos a cargos eletivos que estejam respondendo a processos na Justiça. A maioria (4×3) do TSE entendeu que só quando os pretendentes tiverem sido condenados em última instância poderão ser impedidos de concorrer. Ou seja, nas próximas eleições, pessoas sob suspeição poderão ganhar mandatos nas câmaras municipais e nas prefeituras, o que lhes facilitará escapar da Justiça comum. "Quando se cogita contratar alguém para a prestação de serviços particulares, todo o cuidado é pouco, mas quando se trata de investigar alguém em cargo público não se toma nenhum cuidado?", indagou Britto em sua declaração de voto. Na mesma direção foi o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Brito: "Quem deve cuidar da coisa pública tem que ter um passado confiável", considera.

No mesmo dia, defensores da impunidade tiveram novo alento. A maioria dos deputados presentes à sessão da Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão negou o pedido de licença para que se iniciasse um processo judicial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra o governador Jackson Lago (PDT). Tanto a Polícia Federal quanto o Ministério Público o acusam de envolvimento com o esquema de desvio de recursos públicos pela Construtora Gautama, descoberto na Operação Navalha da Polícia Federal.


ESCUDO Jackson Lago, Álvaro Lins e José Carlos Gratz

Um dia depois, na quarta-feira 11, foi a vez do Rio de Janeiro. O Conselho de Ética da Assembléia Legislativa do Estado teve que escolher por sorteio o nome do relator do processo de cassação do deputado Álvaro Lins (PMDB), ex-chefe da Polícia Civil. O motivo: ninguém queria ser o relator do processo. Lins é acusado pela Polícia Federal de ser um dos chefes da "quadrilha armada" que atuou no governo de Anthony Garotinho. Para constrangimento maior da Casa, há duas semanas, a mesma Assembléia não pensou duas vezes para tirar Álvaro Lins da cadeia, quando ele foi preso pela PF. No mesmo dia dessa saia-justa, os nove deputados estaduais afastados da Assembléia Legislativa de Alagoas por suspeita de desvio de R$ 280 milhões da folha de pagamento da Casa retornaram aos seus cargos em Maceió como se nada depusesse contra eles. Nesse caso, ele foram beneficiados por uma decisão do ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal. Mas o retorno dos deputados alagoanos encontra amparo no silêncio de seus pares, já que eles recorreram ao STF de uma decisão da Justiça alagoana.

"O deputado estadual é o representante menos visado pelo eleitor. As assembléias legislativas são mais permeáveis à ação do crime organizado, como aconteceu, por exemplo, no Espírito Santo", lembra o cientista político José Luciano Dias, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, de Brasília. Lá, o ex-presidente da Assembléia, José Carlos Gratz, foi preso sob a acusação de ter chefiado, de 1998 a 2002, uma quadrilha que desviava dinheiro e tinha ligações com o crime organizado. Só depois de muito esforço a Justiça Eleitoral conseguiu desmantelar o esquema. Agora, essas decisões da Justiça e dos legislativos estaduais podem estar estimulando a impunidade.