Wagner Moura encara o desafio de interpretar Hamlet e se considera apenas um trabalhador que aparece na tevê

Aos 31 anos, o ator Wagner Moura está realizando o seu primeiro sonho de juventude: encarnar no teatro o personagem Hamlet na peça homônima de William Shakespeare, um dos papéis mais difíceis de toda a dramaturgia. Saído de dois papéis extremamente populares na tevê e no cinema, o ator baiano, casado e pai de um menino, quer ficar pelo menos dois anos viajando com o espetáculo, que estréia em São Paulo na sexta-feira 20, no Teatro da Faap. Para isso, não renovou seu contrato com a Rede Globo e decidiu produzir a peça com o amigo Sérgio Martins. "Sem estar ganhando salário, posso recusar um papel", diz o ator, que detesta posar de celebridade: "Não me interesso por esse universo, ninguém nunca me viu na Ilha de Caras". Bastou, contudo, ele aparecer na porta do hotel em São Paulo para fazer as fotos, e já chamava a atenção dos fãs. "Pede pra sair, 02", gritavam, lembrando uma expressão que Moura popularizou no papel do policial do Bope. Na entrevista a seguir, o ator fala da fama, de violência e de como recusou os tipos de pobre e nordestino.

ISTOÉ – Por que decidiu interpretar Hamlet?
Moura

Por uma vontade de fazer teatro, que é uma coisa importantíssima para mim e foi onde eu comecei. Depois é que veio o Hamlet. Eu tinha um projeto, estava até escrevendo, que tratava do medo, de síndrome do pânico. Quando eu fiz o Capitão Nascimento em Tropa de elite, o personagem sofria de uma doença parecida. Eu não sabia como era, comecei a perguntar e fiquei impressionado. Eu estava fazendo um curso sobre Shakespeare no cinema e aí, vindo do Projac, dirigindo, me perguntei: por que não Hamlet?

ISTOÉ – Você vem de dois personagens muito populares, que são o Olavo, de Paraíso tropical, e o Capitão Nascimento. Vai também popularizar Hamlet?
Moura

Quero fazer um Hamlet que as pessoas assistam e entendam. Eu não acredito no hermetismo dessa peça, ela é muito popular

ISTOÉ – A tradução é mais coloquial?
Moura

É mais fácil montar Shakespeare em países que não falam inglês do que nos EUA e na Inglaterra. Quando se traduz, já se coloca o que ele estava querendo dizer naquele inglês elisabetano, que não é nem o inglês que os ingleses falam hoje. O grande problema da maioria das traduções, que têm ambições literárias, é pegar o inglês elisabetano e traduzir para um português arcaico.

ISTOÉ – É difícil declamar o “ser ou não ser”?
Moura

No começo dava vergonha de dizer essa fala, mas colocamos um foco nesse monólogo, queremos que as pessoas saiam do teatro entendendo o que ele quer dizer. Agora a vergonha passou, fiquei mais seguro.

ISTOÉ – E a cena da caveira?
Moura

Como a caveira é o maior símbolo da peça e o "to be or not to be" é o texto mais conhecido, as pessoas tendem a juntá-los. Acham que Hamlet pega a caveira e diz: ser ou não ser. Mas a história da caveira acontece lá na frente, na cena dos coveiros. Quando eu pegava a caveira, também me dava um certa agonia.

ISTOÉ – Você é produtor do espetáculo?
Moura

Sou. Uma peça como essa as pessoas raramente te chamam para fazer. Se o próprio ator não produzir, como é que vai fazer?

ISTOÉ – É possível realizar um teatro profissional sem choramingar pela ajuda do Estado?
Moura

Sem leis de incentivo não se consegue levantar uma produção. Elas são o instrumento fundamental não só para o teatro como para o cinema. É claro que hoje em dia, no Brasil, essa legislação precisa ser discutida no que diz respeito aos critérios de distribuição do dinheiro e em relação à forma como a parceria com a iniciativa privada se dá. Mas atualmente é a única opção de mecenato que existe. O orçamento do Ministério da Cultura é menos de 1%. Eu gostaria que o ministro Gilberto Gil tivesse mais poder, mais dinheiro. Se as leis pararem, pára tudo.

ISTOÉ – O que acha da tentativa de diminuir a verba destinada às atividades do Sesc, dirigindo parte dela para a educação?
Moura

Discordo completamente. O Sesc é um instrumento importantíssimo de patrocínio cultural e não concordo com essa postura de "ou cultura ou educação". Acho que as atividades devem caminhar juntas. Por que sempre que algum setor importante fica ameaçado, a cultura é a primeira a rodar?

ISTOÉ – Se você não fosse Wagner Moura, teria conseguido verbas para encenar Hamlet?
Moura

Talvez não. Com certeza, o fato de eu ter me tornado um ator popular ajudou bastante na hora de captar recursos para a peça.

ISTOÉ – Sua trajetória de sucesso é muito rápida. Considera-se um homem de sorte?
Moura

Sim, mas tem um trabalho aí também. As pessoas acham que eu comecei com A máquina (2004). Mas eu fiz minha estréia nos palcos em 1992, aos 15 anos. Em Salvador eu me virava fazendo teatro como todos os atores de lá. A gente não tinha como fazer televisão. Mas a sorte existe também e o fato de eu ter chegado ao eixo Rio- São Paulo numa hora em que o cinema brasileiro estava procurando caras novas e diferentes ajudou bastante.

ISTOÉ – Como aconteceu a televisão?
Moura

Minha ida para a tevê foi uma forçada de barra. Quando me chamaram para fazer uma novela (A lua me disse, 2005) e interpretar justamente um papel de galã, eu quase não acreditei. Achei aquilo muito esquisito. Primeiro porque eu nunca fui galã de nada. Na época de A máquina eu fui me cadastrar na Globo e me lembro que dei uma espiada na ficha da mulher e vi opções para quatro características. O cara podia ser estrela, podia fazer outro papel que não recordo e logo abaixo vinha a opção "tipos". E eu fui colocado como "tipos". Sempre achei que podia fazer personagens dessa categoria, provavelmente nordestinos, pobres.

ISTOÉ – Mas não foi o que aconteceu em A lua me disse.
Moura

Não deve ter sido uma decisão fácil lá dentro da Globo. Eu imagino que o Miguel Falabella deve ter dito que eu era um bom ator, que a emissora deveria me chamar e acreditar.

ISTOÉ – Como fez para sair rápido do tipo nordestino?
Moura

Eu saquei logo esse perigo e recusei um bocado de propostas, tive que ser duro e às vezes ficar até sem trabalho para não repetir algo que já tinha feito.

ISTOÉ – Esse é também um perigo para atores brasileiros que partem para o mercado externo. Você teve propostas com a premiação de Tropa de elite no Festival de Berlim?
Moura

Depois do festival eu passei a ter um agente nos EUA, mas ainda não nos encontramos. Ele está vindo ver a peça.

ISTOÉ – Está investindo na carreira no Exterior?
Moura

Eu falo bem inglês, portanto a carreira internacional é uma possibilidade. Hollywood é ótima, eu adoraria fazer um trabalho legal nos EUA, mas vejo o cinema hoje como uma coisa globalizada. Acho mais fácil trabalhar na Europa, na China, na Argentina.

ISTOÉ – Recentemente você escreveu um artigo criticando programas como Pânico na TV! (Moura foi alvo de uma brincadeira do programa há algumas semanas). Por que fez isso?
Moura

Eu escrevi aquela carta aberta não endereçada especificamente ao Pânico. Eu aproveitei aquele episódio para falar de algo que eu queria tratar há muito tempo, que é essa coisa que se criou em torno das pessoas que aparecem na televisão. O que eu queria dizer é que nem todo mundo é obrigado a participar daquelas situações.