Os americanos vieram ver uma guerra. Ainda não escolheram o lado, mas estão prestes a fazê-lo. Por ora, só espreitam. Já era noite da terça-feira 12 quando aterrissou no Espírito Santo o primeiro deles. Engravatado, rumou para os imensos campos de eucalipto da Aracruz Celulose, no norte do Estado. Os índios estão conflagrados. Com tacapes, arcos, flechas e motosserras, durante uma semana tupiniquins e guaranis colocaram abaixo 36 hectares de floresta de eucalipto da Aracruz, uma área equivalente a 50 campos de futebol. O prejuízo estimado era de pelo menos R$ 1 milhão. Eles montaram acampamento dentro do eucaliptal vizinho ao complexo industrial da empresa, a 70 quilômetros de Vitória. O americano é representante de compradoras de até 70% da produção anual da Aracruz – e dependendo da repercussão internacional do conflito pode escolher fazer negócios com outra companhia.

A invasão foi a forma encontrada pelos índios para forçar o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a demarcar as terras. Para a Fundação Nacional do Índio, a Funai, os 11 mil hectares em que a Aracruz planta eucaliptos pertencem a seis aldeias situadas na região.

A derrubada das árvores é mais um capítulo de uma velha briga, agora acirrada porque os índios, moradores de aldeias civilizadas encravadas bem perto de centros urbanos, resolveram voltar a reivindicar a posse das terras. O relatório do órgão, 18 volumes de documentos contendo a recomendação para demarcar a propriedade, chegou na terça-feira 13 ao Ministério. Lá, passará pelo crivo da assessoria jurídica de Thomaz Bastos. Depois, caberá ao ministro a decisão final. Todo o processo deverá levar pelo menos um mês. Mas os índios não querem esperar. Na quinta-feira 14 eles ameaçavam atear fogo numa torre de transmissão que fornece energia para a fábrica de celulose.

Com os troncos das árvores cortadas, os guaranis e tupiniquins obstruíram as estradas vicinais usadas para escoar a madeira. A Aracruz até tentou desobstruir. Escalou 40 empregados de uma empreiteira. Foram todos cercados pelos índios, que ainda lhes tomaram quatro motosserras. O movimento é liderado por um grupo de caciques. O chefe maior da turma, um jovem conhecido como Jaguareté, tornou-se celebridade local. É ele quem fala em nome dos índios, pintado para a guerra, de cocar, borduna à mão. “Não agüentamos mais promessas”, repete. A Aracruz contesta a conclusão da Funai de que as terras pertencem aos índios. Sustenta que os cerca de dois mil indígenas que habitam a região nunca foram nativos dali.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Essa é a terceira onda pela demarcação das terras. Na última delas, em 1998, os índios conseguiram apenas uma parte da área que queriam. Resistiram. Acabaram fechando um acordo com a Aracruz, considerado inconstitucional pelo MPF, em que trocavam terras por cestas básicas. Agora eles querem mais do que isso.

 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias