Uma pergunta escapou da boca de Geraldo Alckmin: ?Como você explica o Datafolha?? Dirigia-se a um interlocutor de sua equipe. Na esplêndida manhã carioca da quarta-feira 13, a interrogação foi lançada via celular quando a minivan de campanha cruzava o paradisíaco Aterro do Flamengo em direção à populosa favela da Rocinha. Referia-se aos índices que, àquela altura, indicavam a reeleição do presidente Lula, em primeiro turno, com 50% dos votos. Ele próprio teria apenas 28%. Guiado por um motorista e crivando de pedidos seu ajudante de ordens, o candidato tucano rumava para subir o morro que melhor simboliza as camadas carentes do País. É para essa gente que Alckmin está voltando, nesta quadra final do primeiro turno eleitoral, todas as suas baterias. Debruçado sobre o mapa do Brasil, com técnicos de todos os setores, ele já traçou seus planos de governo. Promete crescimento por meio de corte de impostos e ajuste no câmbio. Sustenta que a criação de empregos vai gerar mais renda. Fala em choque de gestão, enxugamento da máquina administrativa, moralização. Irá botar os corruptos para correr e jura de pés juntos que só fará aumentar o alcance dos programas sociais do governo. Por todas essas, como entender o Datafolha da quarta-feira 13, com a fotografia antecipada da vitória de Lula? No telefonema a caminho da Rocinha, Alckmin ouviu que haverá uma explosão de votos brancos, nulos e abstenções no dia da eleição, a perfurarem a vantagem do presidente. Obteve as garantias possíveis de que a curva de crescimento de sua candidatura é gradual, mas consistente, e será absolutamente adequada ao objetivo de chegar ao segundo turno. Convenceu-se com facilidade, porque na verdade é nisso que sempre acreditou. Alckmin insiste, persiste, não desiste da idéia de que haverá segundo turno. ?Lula não passará de 45% e eu terei mais de 30%?, vaticinou. ?Depois, ganho eu.? Ao menos até que sejam conhecidas as raspas dos tachos eletrônicos de 1º de outubro, nada nem ninguém vai abalar essa convicção, que só ganha em determinação. ?A rua está mudando?, exclama o tucano. ?É só agora que a campanha está empolgando as pessoas.? Com efeito, ele passou com louvor no teste da Rocinha. Seu perfil de classe média paulista ? camisa xadrez, calça cáqui e mocassim de couro marrom em combinação com o cinto ? não espantou ninguém. ?Quem é esse aí??, perguntou um jovem de bermudão e camiseta de alças, cigarro de maconha entre os dedos, assim que o candidato desceu da minivan numa curva do morro. ?Pode subir.? É claro que não se tratava de nenhum chefão do tráfico de drogas, e ninguém levou a sério a pretensa autorização, mas a partir dela o que se viu foi um Alckmin saudado por muita gente daquela imensa aglomeração com vista para o mar. Ele até se surpreendeu com a receptividade. ?Fomos bem, muito bem?, festejou. Na véspera, em Salvador, havia se reunido com 300 prefeitos de cidades baianas, chefiados pelo senador Antônio Carlos Magalhães. ?Ótimo?, definiu. ?Um passo importante.? No dia seguinte, iria a Juiz de Fora, com o governador Aécio Neves a tiracolo, encontrar-se com o ex-presidente Itamar Franco. ?Estamos crescendo lá?, assegurou. Entre esse compromisso e a volta do Rio, falou para 400 prefeitos paulistas, procurando ampliar no Estado sua vantagem sobre Lula. E vai ser assim até o fim: reduzir a diferença para o presidente no Rio e em Minas, aumentar a distância em São Paulo e não ser humilhado nas urnas do Nordeste são suas prioridades. As más notícias na sua base política não lhe tiram o sono. ?Campanha é assim mesmo, a gente tem decepções e descobre revelações?, afirmou. No primeiro capítulo, Alckmin não diz mas está na cara, coloca-se o ex-presidente Fernando Henrique. A carta divulgada por FH no site do PSDB enervou os aliados do PFL e suas reverberações levaram o governador Aécio a mover um pé para fora do partido. ?Tudo pode acontecer?, assentiu o mineiro, a respeito da possibilidade de migrar para o PMDB nos próximos meses. Em meio à crise, Alckmin procurou Aécio para dizer que em seu eventual governo ele terá tapete vermelho e tratamento vip no Palácio do Planalto. ?Aécio já me levou para todas as cidades importantes de Minas e vamos juntos fazer várias segundas rodadas até o dia da eleição?, frisa o presidenciável. ?Ele está absolutamente engajado.? Para Fernando Henrique, um sorriso e uma sentença: ?Posso me arrepender dos meus discursos, mas não dos meus silêncios. Sou paulista, mas de família mineira.? Está mesmo difícil tirar Alckmin do sério. O maior antídoto contra o mau humor são quatro mil entrevistas diárias, realizadas por dois institutos de pesquisas contratados pela coligação PSDB-PFL ? o Ibope e o Ypsus ?, que asseguravam na quarta-feira 13 um placar de 42% de intenções para Lula e 33% para seu próprio nome. No segundo turno, a vitória: 47% contra 45% para o presidente. Nestes trackings, Alckmin aparece como ?o mais sincero?, ?o mais bem preparado para mudar?, ?o mais firme e decidido?, sempre com dianteira sobre Lula. Números que ele usou na manhã seguinte a um comentário desastrado do senador Heráclito Fortes (PFL-PI), segundo o qual a candidatura tucana é uma ?canoa furada?. Do jatinho fretado no qual vai cortando o País à cata do que, no momento, ainda lhe falta, Alckmin alcançou Heráclito do outro lado da linha. ?Estou telefonando para lhe contar os últimos resultados das nossas pesquisas. São ótimos.? E mais não precisou dizer. Outra fonte das certezas do candidato é seu programa de televisão. Ele não tem a menor dúvida de que está acossando o adversário, quanto mais nos momentos em que aponta, como se fosse repórter, buracos em estradas e promessas não cumpridas pelo presidente. ?A campanha está certa em todas as suas fases: apresentou o Geraldo, fez o registro de suas propostas, as diferenciações com o adversário e mostrou sua simpatia e firmeza?, vai escrevendo, em e-mails para amigos, o marqueteiro Luiz Gonzalez. ?Chegará ao ponto exato no dia 1º de outubro.? É no que também acredita o talentoso e experiente fotógrafo Orlando Britto, contratado para fazer imagens do candidato e dispará-las para a mídia. ?Alckmin é sóbrio?, resume. ?O discurso dele põe de lado os penduricalhos emocionais e privilegia o conteúdo. As pessoas estão começando a entendê-lo.? Com a aproximação da hora da verdade, o ex-governador paulista, dono de oito vitórias eleitorais em nove eleições disputadas em mais de três décadas de carreira política, vai conhecendo melhor quem é quem ao seu lado. Como revelações de primeira grandeza, ele lista os ex-governadores Joaquim Roriz e Marconi Perillo, candidatos a senador por Brasília e Goiás, e o governador licenciado de Santa Catarina, Luiz Henrique, candidato à reeleição. Reserva a expressão ?companheirão? para distinguir o comunista Roberto Freire, presidente do PPS e candidato a suplente de senador por Pernambuco. Antes de todos esses nomes, porém, lembra do presidente do PFL, Jorge Bornhausen. No time dos não políticos, Alckmin avisa que ?gosta muito? do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. E também do economista José Roberto Mendonça de Barros. Para quem busca uma dupla para comandar a economia caso o tucano vença, aí está. Ligadíssimo à família, o ex-governador resolveu ter uma agenda diferente da de sua mulher, dona Lu. A intenção foi a de multiplicar por dois as ações de rua. Ganhou, em compensação, a companhia da filha Sophia, 25 anos. Ela cuida da proteção contra o sol, da alimentação e dos detalhes de roupa do pai. De suas bolsas e sacolinhas saem filtros solares de graus 30 e 60, biscoitos salgados, chocolates Bis, latas de Coca-Cola e garrafas de água. ?Estou conhecendo um Brasil de grandes diferenças?, conta. ?É uma lição de vida.? Alckmin já foi aos 27 Estados brasileiros. Montou jegue, pilotou moto, tomou chuva, amassou barro. Driblou insinuações de que pertenceria à conservadora Opus Dei e buscou se identificar com o unânime São Francisco de Assis. Foi à praia e ao sertão. Andou de táxi e carro de luxo. Deverá gastar mais de R$ 40 milhões na campanha. Se seus prognósticos estiverem certos, ele se tornará o primeiro paulista desde Rodrigues Alves, que ocupou a Presidência da República entre 1902 e 1906, a chegar lá. E lá se vão 100 anos. Pode não dar certo, mas ninguém vai poder dizer que foi por falta de teimosia. Estratégica, compreensível e, sobretudo, sincera, essa Alckmin tem de sobra.