Na tarde da quinta-feira 14, quando receberam a reportagem de ISTOÉ na confortável casa de um amigo em um bairro nobre de Cuiabá (MT), os empresários Darci e seu filho Luiz Antônio estavam tensos. Antes de gravarem a entrevista consultaram dois advogados e em três oportunidades a conversa foi paralisada. Gravador desligado e Darci, com 66 anos, reclamava de problemas com sua pressão arterial. “Tenho ido quase todos os dias ao hospital e hoje com certeza sairei daqui para o pronto-socorro”, dizia com ar abatido. Luiz Antônio, mais falante, parecia dar pouca atenção aos reclamos do pai e insistia em manifestar seu “real interesse” em colaborar com as investigações. “Precisamos mudar nossa imagem. Não é verdade que estejamos mudando de versão a cada momento. Vamos colaborar com a Justiça provando tudo o que dizemos”, afirmava Luiz Antônio. Ambos temem que manobras políticas possam fazer com que percam os benefícios legais obtidos com o instituto da delação premiada. De fato, sem esse benefício, é grande a possibilidade de voltarem para a prisão, onde estiveram por 80 dias entre maio e julho deste ano. Mais experiente, Darci parecia profundamente incomodado na condição de “delator”, embora demonstrasse ter clareza de que tudo será desvendado e que sua colaboração apenas irá acelerar um processo de investigação. “Sou um homem que faz acordo com o fio do bigode. Trabalho há 30 anos com o Congresso e nunca passei por uma situação como essa”, afirmava o pai. A seguir, trechos da entrevista:

ISTOÉ – Os srs. entregaram à Justiça e à CPI diversos documentos. Entre eles estão extratos bancários que mostram depósitos feitos para pessoas físicas e jurídicas ainda não mencionados nesse caso. Como esses documentos podem ajudar nas investigações sobre os sanguessugas?
Luiz Antônio Vedoin – São depósitos relacionados ao Abel Pereira. Nós criamos uma parceria com ele para a liberação de verbas para a compra de ambulâncias em vários municípios.
Darci Vedoin – Quando o dinheiro era liberado, o Abel nos indicava as contas e as pessoas para as quais deveriam ser feitos os depósitos. O que entregamos são os comprovantes desses depósitos.

ISTOÉ – Quem é Abel Pereira?
Luiz Antônio –
É um empresário de Piracicaba que operava dentro do Ministério da Saúde para nós. Era ele quem conduzia todo o processo e fazia sair todos os empenhos… Era um operador, uma pessoa indicada e muito ligada ao Barjas Negri, secretário executivo do Ministério quando José Serra era o ministro e seu sucessor.
Darci – O Barjas Negri é o braço direito do José Serra. Nosso esquema já funcionava no Ministério. Quando o Serra saiu, o Barjas assumiu o Ministério e foi indicado o Abel para continuar a operar.

ISTOÉ – O Abel, então, deu continuidade a um esquema que já existia?
Darci –
Quando nós iniciamos a montagem, em 1998, já existia esquema dentro do Ministério da Saúde, com os parlamentares. Nós acertávamos com os parlamentares e o dinheiro saía. Naquela época era muito mais rápido para sair os empenhos e os pagamentos.

ISTOÉ – A que época o sr. se refere exatamente?
Darci –
Entre 2000 e 2002. Quando o Serra era ministro foi o melhor período para nós. As coisas saíam muito rápido.

ISTOÉ – Como exatamente funcionava o chamado Esquema Sanguessuga?
Darci – O parlamentar apresentava a emenda orçamentária pedindo o recurso e quando o dinheiro era liberado nós pagávamos 10% ao parlamentar. A cobrança deles sempre foi de 10% sobre o valor da emenda.
Luiz Antônio – No melhor período, quando o Serra e depois o Barjas eram os ministros, a bancada do PSDB é que conseguia agir com maior rapidez. Com eles era muito mais fácil e muito rápido. Quando as emendas eram da bancada era coisa de um dia para o outro.
Darci – A confiança de pagamento naquela época era tão grande que nós chegamos a entregar cento e tantos carros somente com o empenho do Ministério da Saúde, antes de o dinheiro ser liberado. Isso acontecia no País inteiro. Sempre quando se tratava de parlamentares das bancadas ligadas ao governo.

ISTOÉ – Os srs. estiveram reunidos pessoalmente com o ex-ministro José Serra alguma vez?
Darci –
No ano de 2001 estivemos com ele em dois eventos no Mato Grosso. Um
na capital e outro em Sinop.

ISTOÉ – É natural e até dever de um ministro da Saúde participar de eventos para entrega de ambulâncias. O ministro sabia que nos bastidores daqueles eventos havia um esquema de propinas?
Luiz Antônio – Era nítido a todos.
Darci – Posso te afirmar que as emendas quando eram destinadas para esses eventos saíam ainda mais rápido.

ISTOÉ – Como o Abel entrou nesse esquema?
Darci –
Foi no final de 2002. Eles haviam perdido a eleição e, em nome do ministro, o Abel nos procurou. Eu fui a São Paulo, conversei com ele no aeroporto e ele pediu um valor para poder liberar uma série de recursos. Queria 10% de tudo o que eu viesse a receber. Acabamos negociando e fechamos a 6,5%. No mesmo dia ele perguntou quais os Estados que eu queria que ele liberasse. Respondi que seria o Mato Grosso e Alagoas. Três dias depois o dinheiro estava na conta das prefeituras.

ISTOÉ – Quanto isso representou em reais?
Darci –
O compromisso é que ele liberaria o que fosse entrando. E tudo o que nós pedimos foi liberado. Quando o dinheiro saía do Ministério e antes de chegar às prefeituras nos fazíamos os depósitos nas contas indicadas pelo Abel. Essa é a documentação que entregamos agora à Justiça e à CPI.

ISTOÉ – O Abel se encontrava pessoalmente com os srs. para indicar para quem
e em qual conta deveriam ser feitos os depósitos?
Darci –
No final de 2002, nós ficávamos juntos em Brasília. Ele ia ao Ministério, liberava o recurso e passava para mim dizendo o que era para ser feito e para quem era para ser feito.

ISTOÉ – O Abel dizia qual seria o destino do dinheiro?
Luiz Antônio –
Falava que era para o ministro.

ISTOÉ – Para parte da CPI e até entre procuradores da República há uma impressão de que os srs. estão negociando de todos os lados, pois em um ano eleitoral têm entregado a conta-gotas os nomes dos políticos envolvidos com a máfia das ambulâncias.
Luiz Antônio –
Isso não é verdade. Quem deflagrou todo esse processo foi a Polícia Federal. Não fui eu que escolhi a data da operação. Se é um período eleitoral, quem escolheu isso foi a Polícia Federal.

ISTOÉ – É fato que os srs. têm entregue nomes a conta-gotas.
Luiz Antônio –
Não. Não tenho entregado nomes a conta-gotas. Eu tenho um
acordo com o Ministério Público e com o juiz.

ISTOÉ – Que acordo?
Luiz Antônio –
Vou entregar todos aqueles contra os quais eu conseguir reunir provas. Vou cumprir isso, independente de partido, Estado ou qualquer outra situação. Vou entregar todos que eu puder comprovar o acontecimento.

ISTOÉ – Então o sr. está buscando novas provas?
Luiz Antônio –
Não que eu esteja atrás. Foram oito anos de negócios e intermediações. Se novos documentos surgirem, cumprirei com o meu papel de encaminhar tudo à Justiça e à CPI.

ISTOÉ – Por que só agora, às vésperas das eleições, os srs. encaminharam essa documentação que compromete dois ex-ministros da Saúde, um deles candidato favorito ao governo de São Paulo?
Luiz Antônio –
Estou cumprindo o acordo com a Justiça. Não tinha esses documentos e a CPI encontrava dificuldades burocráticas para a quebra de meu sigilo bancário. Então, eu mesmo fui ao banco e solicitei os extratos. Só com esses documentos em mãos é que pude relacionar os depósitos feitos a pedido do Abel.

ISTOÉ – O sr. não se lembrava então de ter feito depósitos em contas
indicadas por um operador que falava em nome do ministro da Saúde?
Luiz Antônio –
Não posso ser leviano a ponto de dizer o que não posso provar. Meu compromisso é com a verdade.

ISTOÉ – Como tem sido a vida dos srs. depois que esse escândalo se
tornou público?
Luiz Antônio – Está muito difícil. Mudou tudo…
Darci – Até as amizades. Hoje se nota nas pessoas uma diferença muito grande, quando se passa na rua. Não temos mais os amigos que tínhamos antigamente. Estamos sendo julgados, mas a população precisa saber que os maiores culpados disso tudo não somos nós.

ISTOÉ – Quem são?
Darci –
Temos culpa, sim. Mas o grande culpado foi o governo lá de trás que vem fazendo tudo isso e nos deu a oportunidade de fazer. Podem pegar todos os meus telefonemas e verão que eu não ligo para nenhum parlamentar. Eram eles que ligavam para nós.

ISTOÉ – O que os srs. esperam que aconteça a partir da entrega
desses documentos?
Luiz Antônio –
Que seja dita a verdade e que as pessoas percebam que estamos efetivamente querendo colaborar com a Justiça.